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60 anos em entrevistas
‘Todo assunto pode ter viés infantil’
Luís Felipe Soares
Do Diário do Grande ABC
15/04/2018 | 07:00
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Claudinei Plaza/DGABC


Diferentes gerações de leitores foram atingidas pelo trabalho de Maria Teresa Monteiro. Com quatro passagens pelo Diário em variados setores da Redação, a jornalista deixou seu estilo criterioso e detalhista marcado no papel de editora do Diarinho, suplemento infantil do jornal com mais de quatro décadas de trajetória e 19 anos sob a tutela da andreense. “Eu saí do jornal, mas o jornal não saiu de mim”, afirma Teresa (como é conhecida). Hoje, aposentada aos 62 anos, ela dedica parte do tempo a editar lembranças pessoais com fotos nas paredes, guardando dentro de si o desejo de buscar pautas para os pequenos e jovens leitores.

Maria Teresa Monteiro e o Diário
Maria Teresa Monteiro escreveu para coluna social, Setecidades, Automóveis e para uma das primeiras revistas do Diário. Marcou época ao ampliar o projeto original do Diarinho, deixando-o mais perto do mundo das crianças, e conversou com os adolescentes com o suplemento D+, ambos ainda em publicação. Segundo a jornalista local, os projetos são grandes diferenciais em relação a outros meios de comunicação. “O Diário tem uma arma poderosíssima nas mãos com esses dois suplementos: de ter papel fundamental na transição da criança para o adolescente e do jovem para o adulto.”

Sua trajetória no Diarinho é marcada pela inquietação em saber muito sobre tudo. De onde veio seu desejo de pesquisar sobre diversos assuntos?
Sempre fui a menina mais curiosa e chata da escola. Brigava com todo mundo, queria saber de tudo, adorava ler e não me convencia das respostas que recebia. No primeiro ano do ginásio, um professor de Matemática estava ensinando sobre triângulos, mas ele deixava tudo em aberto. Todo mundo ficava quieto e ninguém estava realmente entendendo a explicação. Levantei e fui na lousa para fazer outro triângulo, falando a minha dúvida. O cara fez o maior escândalo. Demorei anos na minha vida para realmente descobrir a real definição de um triângulo, quase no fim do ginásio. Nunca me convencia da maioria das coisas e não me bastavam as resoluções sem explicações reais.

Como o jornalismo apareceu na sua vida? A comunicação era um sonho ou ocorreu por acaso?
Entrei na faculdade de Comunicação pensando em fazer Publicidade e Propaganda. Antes era maravilhoso porque havia dois anos básicos de Comunicação e depois os alunos optavam pela área que queriam. Conheci um pouco sobre tudo: cinema, fotografia, rádio, TV, RP (Relações Públicas), Publicidade e Jornalismo. Fui da segunda turma de Comunicação da Metodista. Comecei a descobrir o mundo do jornalismo e me apaixonei pelas possibilidades e a dinâmica.

Como foram suas primeiras experiências no jornalismo? E como ocorreu seu contato com o Diário?
Meu primeiro emprego foi no Diário, acho que em 1976. Fui estagiária. Fiquei um mês ajudando a fazer coluna social e logo fui para Geral (hoje Setecidades). Mas foi uma passagem rápida, de seis meses, até que consegui oportunidade de estágio na Scania. Fiquei dez anos lá. Primeiro fiz o jornal interno, como repórter. Daí me formei e passei a cuidar da publicação. Também fazíamos um jornal para os motoristas de caminhão, além de trabalhar na assessoria de imprensa. Trabalhei com o jornalista Mario Lima, a pessoa que mais me ensinou na vida. Logo no começo das greves, onde a Scania estava presente como palco, em 1983, víamos a panfletagem e percebemos que os ‘peões’ realmente se interessavam por informações. Criamos o Recorte, que rodava na gráfica da empresa e era feito com recortes de jornais. Era muito legal, uma miscelânea. Engraçado que minha trajetória sempre foi muito direcionada a um público específico. É o tipo de coisa que você não controla na vida.

O universo dos carros se manteve por quanto tempo em sua carreira? Ele também existiu em seu retorno ao Diário, não foi?
Em 1987, o Diário estava procurando um editor para o caderno de Automóveis. Vi oportunidade de fazer algo novo, com um assunto que dominava e tinha os contatos da área e do mercado. Fui e fiquei entre três e quatro anos nessa segunda passagem. Ao fim, o Celso Daniel (1951-2002) ganhou a Prefeitura de Santo André pela primeira vez (entre 1989 e 1992) e tive chance de ir para lá para trabalhar meio período, o que era ótimo para ficar mais perto das minhas filhas. Fiquei apenas uma temporada no Paço. Fui chamada para voltar ao Diário como subeditora da revista Mais, na minha terceira passagem pelo jornal. Fiquei nesse projeto pouco mais de um ano e a revista foi fechada.

Entre idas e vindas ao Diário ao longo do tempo, de que forma seu caminho cruzou com o do Diarinho?
Em novembro de 1992, o doutor Fausto (Polesi, um dos fundadores do Diário) me chama para conversar outra vez e perguntar se eu não queria fazer a coluna Primeiro Plano, de Economia, mais voltada para o cenário dos bastidores. Fiquei sabendo que a Solange Dotto (jornalista e socióloga) estava saindo do comando do Diarinho e disse que, se ele precisasse de alguém para fazer o suplemento, eu gostaria. Eu não sabia fazer nem como falar para esse público infantil. Até hoje não sei explicar o motivo de fazer essa proposta, mas juro que alguma coisa me disse para falar. Apresentei projeto pegando a essência do Diarinho, de ser um paradidático, mas colocando a criança nas páginas. Ele nasceu como um auxílio para a sala de aula. Queria ele mais próximo do leitor e mais solto, não ligado apenas ao calendário escolar. Foi daí que nasceu Tira-Dúvidas, Fique Por Dentro, Trocando em Miúdos, Roteiro. Algo mais amplo para o universo infantil e com informações sobre tudo.

Como o novo trabalho influenciou-lhe? De que forma essas transformações no suplemento ‘agitaram’ as coisas?
Conforme ele crescia, nos aproximamos das escolas, principalmente por muitas delas sempre usarem o suplemento como o paradidático ‘oficial’ do colégio. A responsabilidade tornou-se maior e isso nos permitiu viajar para falar de tudo. Todo assunto pode ter viés infantil e pode interessar à criança, é apenas uma questão de abordagem, da sacada certa. Parte do desafio é mastigar sem ter o ‘nhe-nhe-nhem’, sem pensar que a criança é um ser idiota. As crianças entendem tudo, mas não da forma como os adultos leitores de jornais veem as coisas. A Guerra da Síria, por exemplo, pode ser a capa do Diarinho e o leitor de 8 anos é capaz de entender o que está se passando por lá. Tudo o que aparece no noticiário é pauta para o Diarinho, pois as crianças veem essas informações, mas precisam de um ensinamento e um direcionamento que elas compreendam.

É complicado pautar um suplemento tão específico? Houve ideias que acharam melhor não desenvolver?
Tem assunto difícil, como quando fizemos reportagem sobre pedofilia. Demoramos quase três semanas trabalhando. Escrevemos, reescrevemos e pedimos para várias pessoas lerem. É o tipo de assunto que precisa de um leitor externo para saber se estamos no caminho certo. Ficamos com medo para fazer da maneira mais adequada. Me arrependo de não ter feito um especial em relação à morte, explicando tudo sobre ela para as crianças.

A evolução das crianças é constante e a senhora passou por diversas gerações. Qual acaba sendo o grande desafio de lidar com o mundo infantil?
O grande desafio é não perder o encantamento. As crianças mudaram muito com o tempo, mas a sensação da descoberta é eterna. A tarefa, como adulto, é traduzir as coisas para elas. Dá para encantar com textos, fotos, infográficos, curiosidades, retrancas. É possível ter essa relação e diálogo com menos (palavras e frases). O Twitter, por exemplo, se faz entender com poucos caracteres. Temos menos texto hoje do que antigamente, mas as informações estão ali, com uma nova cara.

Grande parte da importância da existência do Diarinho é de incentivar a leitura. A preocupação realmente existe?
Engraçado que conseguimos falar com diferentes etapas do desenvolvimento humano. Com a criança virando adolescente e o jovem se tornando adulto. E a leitura é a base de tudo. O digital tomou conta do mundo e temos que chamar a atenção da criança para o universo da leitura. Um jornal infantil tem que ser o trampolim, revelar o mundo para esses leitores mais novos com os olhos e o coração de uma criança. Nunca ser apenas um produto para as crianças.

Há quem possa ver esse tipo de trabalho jornalístico com certo preconceito. Quais tipos de lições os profissionais podem tirar da experiência?
Ter em mãos um suplemento infantil é transformador para quem faz e para quem lê. Lidar com criança te faz uma pessoa melhor. O poder de entendimento e síntese é outro, amplia sua visão como jornalista. Todo mundo deveria passar por essa experiência em algum momento. Um repórter de política, por exemplo, deveria fazer um texto sobre toda a questão do Lula (que ficou dois dias no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo antes de se entregar à Polícia Federal para cumprir pena) para o Diarinho. Por que não? Seria ótimo para todos os lados. É a ideia do recorte de tudo e transformar o complexo em simples.

O D+ nasceu em 2009 para conversar com os adolescentes. Como perceberam que havia essa lacuna entre gerações de leitores?
O D+ surgiu em razão do crescimento natural do leitor do Diarinho. Percebíamos, junto com os leitores, que havia essa lacuna. A pauta para os adolescentes tem que fazer sentido para o mundo deles, tem que ser atrativa para despertar seu interesse, como sexo, relacionamento e início da carreira. Ilusão a gente achar que o leque se abre. Na verdade, ele se fecha. Quanto mais idade, se afunila o foco da atenção dos jovens. É muito mais fácil pautar Diarinho do que pautar D+.

Foi complicado conversar com sua equipe para desenvolver esse novo projeto? Quais os desafios para encontrar as pautas mais adequadas?
Houve um processo natural e fomos acompanhando as crianças crescendo. Na verdade, o D+ já existia, de certa forma, dentro do Diarinho. O que não fazia mais parte do Diarinho, dentro de sua personalidade, separávamos e vimos que cabia pauta para os mais velhos. Os assuntos gritam aos nossos olhos, mas é preciso o momento certo para colocá-los em prática, por isso os ganchos com filmes, peças, músicas e acontecimentos são importantes.

Como foram seus últimos momentos à frente do Diarinho e como integrante da Redação do Diário? A senhora ainda tem saudades?
Foram quase 20 anos no Diarinho, entrando em 1992 e saindo em outubro de 2011. Fiquei preocupada em deixar meu ‘filho’ e não acompanho as publicações hoje em dia porque ainda me dói. Não me machuca porque sou crítica do que está sendo realizado, mas é algo que ainda acho que poderia estar fazendo. É quando você termina um namoro com alguém especial e, tempos depois, mesmo com outra pessoa na sua vida, a lembrança te machuca um pouco. Tenho um namoro eterno com o Diarinho. Me apaixonei pela área sem querer. Tinha duas filhas em casa na época e parece que tudo estava ligado. Aprendi a fazer jornalismo infantil por meio delas, que tinham 6 e 8 anos. Tudo foi certo, com a vida me levando. Não entendia nada de crianças e acabei crescendo como mãe e como profissional de jornal infantil ao mesmo tempo.

Como percebe a relação do Diário com o Grande ABC ao longo dos anos?
Eu amo o Diário! Adoro o jornal. Temos ferramenta muito particular, com jornal tradicionalíssimo, que abraça sete cidades. Elas são grudadas e completamente diferentes, mas o ‘caldo’ é o mesmo, a essência da região é especial. Temos de tudo no Grande ABC e esse tudo cabe no nosso mundo. As pessoas que trabalham na Redação representam a diversidade regional. Não importa quem passou, passa e passará pelo jornal. A alma do Diário é forte. 




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