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Saúde
Vício em jogo é considerado doença

Cenário mundial em relação aos videogames chama atenção de especialistas; OMS passa a reconhecer problema como distúrbio psiquiátrico

Bia Moço
Especial para o Diário
04/02/2018 | 07:00
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Celso Luiz/DGABC


 A preocupação com o vício em videogames tem tomado conta das discussões atuais e tirado o sono de pais e responsáveis. Sensação de recompensa – que age como droga no organismo – é o sintoma que faz com que cada vez mais pessoas passem a aderir ao hábito que, com o tempo, torna-se distúrbio. A cada conquista no jogo, bem estar e felicidade são os motivadores de mais uma partida. O cenário fez com que a OMS (Organização Mundial de Saúde) passasse, a partir deste ano, a considerar o vício em jogos de videogame doença. O distúrbio será incluído como transtorno psiquiátrico na próxima edição da CID (Classificação Internacional de Doenças).

Embora diversos estudos científicos apontem que crianças e adolescentes que utilizam os games sejam criativos, desenvolvam raciocínio rápido, tenham melhor desenvolvimento cognitivo e capacidade maior de tomar decisões, em contrapartida, jogos eletrônicos também causam complicações no desempenho escolar e, muitas vezes, usuários passam a ter problemas de socialização.

Morador do bairro Utinga, em Santo André, o estudante Gustavo Pepinelli Salgado, 17 anos, é exemplo de amante dos games eletrônicos. Prestes a terminar o Ensino Médio, o garoto confessa que já deixou de fazer atividades da escola para jogar. “Sempre fui louco por videogames e, desde pequeno, passava horas em frente à televisão. Já cheguei a ficar 17 horas jogando sem parar. Atualmente tento me policiar”, confessa.

Embora Salgado admita já ter apresentado problemas com rendimento escolar por causa do jogo, acredita que pode ser considerado um “viciado controlado”, pois tem dado pausa para se dedicar a outras atividades. “Jogar é o que mais gosto de fazer, sem sombra de dúvida. Não tem outra coisa no mundo que me deixa mais relaxado e realizado. Ganhar traz sensação de recompensa, bem estar e felicidade.”

Apostar dinheiro, obter valores e moedas virtuais são os principais motivadores de Salgado. Para ele, a melhor sensação é quando se ganha uma partida on-line e tem como mérito ser melhor que os adversários.

Mesmo assim, o estudante tem consciência de que precisa de limites. “Já namorei durante dois anos e a relação era basicamente ‘game acima de tudo’. Deixo de sair e ir a festas de família para não perder campeonatos. Meus pais ficam preocupados, porque é um vício. Se deixarem, fico horas jogando, sem limites.”

A mãe, Simone Pepinelli Salgado, 47, diz que o filho deixa até de viajar com a família, o que a incomoda. “Tenho de, muitas vezes, obrigá-lo a ir a lugares com a gente. Em período de férias, ele chega a passar a noite toda jogando. O Gustavo joga desde pequeno, mas com o passar do tempo percebi que está saindo do controle, até porque deixa de jogar bola, sair e namorar. É complicado.”

Consciente, o jovem estudante diz que tem tentado se policiar. “Grande parte da população que joga tem vício e não reconhece. Embora tente me policiar, sei que extrapolo limites e, mesmo que queira, não consigo parar. É um distúrbio, claro, não pode ser normal mudar do extremo da raiva para felicidade máxima em um segundo por resultados virtuais”, reconhece.

Pais e responsáveis devem impor limites
O cenário mundial está a favor da tecnologia. Não à toa, a inserção no mundo virtual se faz cada vez mais presente na vida da população, desde crianças até idosos. Atualmente, é comum se deparar com locais lotados, porém, todas as pessoas de cabeça baixa. Isso acontece porque os smartphones, tablets e notebooks prendem a atenção e, na maioria das vezes, os jogos estão na tela dos aparelhos. São inúmeras as opções que fornecem a possibilidade de jogar, junto delas, há também os aparelhos de videogame e as televisões com tecnologia múltipla.

Uma das questões que parece ser constante na vida dos pais é se videogames são bons ou ruins para os seus filhos. Para o professor Rabino Samy Pinto, o tempo é um valor e somente os adultos sabem o quanto algo é valioso pelo tempo que a pessoa dedica a ele. “Se uma criança fica exposta um longo período ao jogo, é sinal de que o videogame é muito importante para ela, e outras tarefas que sabemos que são muito importantes ficam comprometidas devido a isso.”

Na opinião do psicólogo, especialista em Medicina comportamental pela Ufesp (Universidade Federal de São Paulo) e hipnoterapeuta, Valdecy Carneiro – também é presidente da Siah (Sociedade InterAmericana de Hipnose) –, cabe aos pais despertar para o problema e impor limites. Carneiro aponta como principal sintoma do distúrbio a falta de controle sobre a frequência e duração da ação. “O indivíduo deixa de realizar atividades rotineiras para não sair do jogo. Os pais devem prestar atenção nesses sinais. Quando a pessoa deixar de comer, ir ao banheiro, tomar banho ou até mesmo dormir, então o problema se faz presente.”

O psicólogo relata casos de crianças que deixam de ir à escola por não conseguirem acordar, pois passaram a noite jogando e, muitas vezes, escondidas dos pais. A consequência é o baixo rendimento escolar e isolamento social. “Na fase adulta, há quem falte no trabalho para ficar jogando, ou então, que jogue on-line no horário de expediente. São diversos os casos, e são vícios como a jogatina, as cartas, as máquinas caça-níquel. Tudo que é aposta traz um sentimento de recompensa, que faz com que a pessoa queira cada vez mais. Como uma droga, por exemplo.”

Ele explica que na maioria das vezes o vício nos jogos esconde outro distúrbio. “Geralmente são pessoas com transtornos depressivos. Preferem estar isoladas em um espaço onde obedeçam suas próprias regras, ultrapassem suas metas e não haja interferência. Sair da zona de conforto é um problema, pois esses indivíduos têm muita dificuldade em socializar, ter amigos e conviver em grupo é mais difícil.”

De acordo com Carneiro, o tratamento com terapia é importante, mas antes, os pais têm de tomar as medidas necessárias. “Os responsáveis não podem se eximir dessa autoridade. É de extrema importância que se coloque limites, dê horários e tempo. Atualmente vejo que a nova geração de pais parece recear em se impor, e isso está errado.”

Na fase adulta, cabe ao indivíduo perceber a necessidade de ajuda, no entanto, o psicólogo alerta que nada pode ser feito de maneira rigorosa. “Tirar de uma vez pode levar a surtos. Não adianta tomar uma atitude brusca, isso não irá mudar o problema, pelo contrário, tende a fadar um tratamento ao fracasso, gerando revolta e transtorno. Nesse caso, o ideal é a conversa e a conscientização de que se precisa mudar o comportamento.”




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