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Sexta-Feira, 26 de Abril de 2024

CPI suspeita que crime organizado financiava campanhas
Do Diário do Grande ABC
19/11/1999 | 17:35
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A CPI do Narcotráfico suspeita que recursos arrecadados pelo crime organizado em Campinas estariam sendo usados para financiamento de campanhas políticas. O empresário Alexandre Negrao, diretor-presidente da Medley Indústrias Farmacêuticas, fez doaçoes para candidatos a deputado nas últimas eleiçoes. Negrao é apontado pela CPI como suposto envolvido em um esquema de lavagem de dinheiro. Na madrugada de nesta sexta-feira, ele foi indiciado em inquérito parlamentar - formalmente acusado de sonegaçao fiscal, remessa de divisas para o exterior, operaçoes ilegais no mercado e desacato à comissao.

Durante oito horas, Negrao foi interrogado no salao do júri do Fórum Criminal. Várias vezes debochou dos parlamentares. A CPI pretendia decretar a prisao do empresário - como já fizera com o advogado Arthur Eugênio Mathias e o delegado de polícia Ricardo de Lima - mas foi alertada por um grupo de procuradores da República que a medida nao poderia ser requerida à Justiça porque nao teria amparo legal. Uma das operaçoes suspeitas de Negrao, identificada pela assessoria técnica da comissao, foi realizada anteriormente à lei que pune a evasao de dinheiro.

As doaçoes eleitorais nao sao ilegais. Elas podem ser feitas por pessoas físicas e jurídicas e sao registradas na Justiça Eleitoral. O contribuinte recebe um bônus como recibo. Quando presta contas ao Tribunal Regional Eleitoral, o candidato deve apresentar a contabilidade de campanha com os valores captados. A CPI trabalha com a hipótese de que empresários que mantêm atividades suspeitas teriam interesse em conquistar parcelas do quadro do Legislativo para ampliar seu poder.

Antigo proprietário do Instituto de Química de Campinas (IQC), Negrao chegou a ser processado por falsidade ideológica ao se envolver com o esquema montado por Paulo César Farias, empresário morto em junho de 1996. Ele fez depósitos no valor equivalente a US$ 1,5 milhao em uma conta-fantasma do laranja José Antonio Pavino. O dinheiro foi parar no caixa do ex-tesoureiro de campanha do governo Fernando Collor (1990-92). A CPI, Negrao disse que foi 'extorquido' pelo esquema PC. O deputado-relator, Moroni Torgan, disse que PC recebia Negrao apenas de toalha e ordenava que ele "jogasse o dinheiro na cama."

Enquanto Negrao era interrogado, a Polícia Federal fez buscas em sua residência - na garagem foram encontrados 17 veículos, inclusive duas Mercedez, uma perua Hilux, uma BMW e uma Porsche, todos de sua propriedade - e no escritório da Medley. Uma equipe de agentes foi à Angra dos Reis, onde o suspeito tem casa. Os federais recolheram pastas de documentos, extratos bancários e registros contábeis que podem indicar detalhes da lavagem de dinheiro.

Antes de fazer revelaçoes sobre financiamento de campanhas eleitorais, Negrao foi questionado sobre um contrato de patrocínio fechado em 1997, no valor de US$ 2 milhoes. O dinheiro teria sido desviado para Londres e, depois, seguiu para Miami e Bahamas. Segundo o empresário Alberi Spíndola, da AMS Eventos Esportivos - que abriu uma conta para receber o depósito de US$ 2 milhoes -, "o pessoal do Negrao providenciou a documento no Banco Central para fechar a operaçao". Nas últimas eleiçoes, em outubro do ano passado, Negrao fez doaçoes em dinheiro para os candidatos Roberto Mingone (PFL) e Carlos Sampaio (PSDB). Mingone é vereador em Campinas, líder do prefeito Chico Amaral (PPB) na Câmara. Nao conseguiu se eleger deputado embora tivesse feito uma campanha milionária, segundo a CPI. Sampaio é promotor de Justiça.

Ele se afastou do Ministério Público Estadual e foi eleito deputado estadual com 40 mil votos. Na Assembléia Legislativa, atua como presidente do Conselho de Ética. No meio da semana, ele propôs a criaçao de uma CPI do Roubo de Cargas.

Negrao disse que sua empresa contribuiu com R$ 15 mil para Sampaio e R$ 20 mil para Mingone. Mingone e Sampaio sao pré-candidatos a prefeito de Campinas. O empresário disse ter conhecido Mingone "através de um advogado." O vereador está na lista de suspeitos da CPI porque teria ligaçoes com William Sozza, tido como 'cérebro' financeiro e logístico de uma organizaçao criminosa com ramificaçoes em 14 Estados. Negrao afirmou à CPI que os políticos candidatos "sao uns insistentes, dao muito trabalho" - ele se referia a pedidos de doaçoes.

A afirmaçao de Negrao irritou o presidente da comissao, deputado Magno Malta (PTB-ES). "Nem todos sao iguais, nao generalize; o senhor deve dizer quem sao os trabalhosos", advertiu Malta. Negrao pediu desculpas. Ele disse que fez doaçoes a um outro candidato. "Nao lembro do nome", declarou.

A CPI decidiu quebrar os sigilos fiscal, telefônico e bancário de Negrao. O deputado Robson Tuma (PFL-SP) constatou que o empresário fez remessas recentes no valor de US$ 150 mil para uma conta em Nova York. Uma das operaçoes foi realizada em nome de Júlio Kaier. "Nao conheço esta pessoa", disse o empresário. A devassa vai atingir a Medley Indústria Farmacêutica, que tem faturamento anual de R$ 100 milhoes.

Para o presidente da CPI, deputado Magno Malta (PTB-ES), o empresário Alexandre Negrao "é um exemplo concreto do poder que esse tipo de homem conquistou ao longo da omissao do poder público." "O poder paralelo cresceu, dando lugar a figuras que fazem fortuna no escuro, mandam nos poderes, se infiltram no Legislativo e aí ganham um poder tao terrível que nunca imaginaram que um dia teriam que sentar no banco dos réus da CPI." Segundo Malta, as contas de Negrao no exterior nao sao declaradas.

O deputado disse que a CPI nao prendeu em flagrante o empresário por desacato porque ele poderia pagar fiança de R$ 300 e ir para a rua imediatamente. "Aí sim a populaçao ficaria mais descrente em tudo", acredita Malta.




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