Início
Clube
Banca
Colunista
Redes Sociais
DGABC

Terça-Feira, 23 de Abril de 2024

Cotidiano
>
COLUNA
O trem da alegria desce a ladeira
Rodolfo de Souza
17/01/2019 | 07:00
Compartilhar notícia


E o pânico começa a desdenhar do sossego de quem viaja e percebe o trem da alegria desembestado, ladeira abaixo, pesado como a rocha de Niterói. Na verdade, desce sem rumo. Alguns fingem dormir para não olhar para a janela. Mas a vertigem, da qual somos acometidos nessa viagem rumo ao fundo do precipício, é sinal de que a velocidade só aumenta.

A mídia aberta, a mídia de sempre, porém, parece se opor aos fatos, fazendo crer que nada disso é real. Fala com naturalidade de negociatas na calada do dia, que entregam, com sorriso aberto, o trem ao imperialismo voraz, cujo estômago é um saco sem fundo que segue devorando todos os trens no seu caminho, até que não sobre um só vagão sobre os trilhos. Depois, certamente, devorará a si mesmo. Dado que não importa ao maquinista desta composição, dentro da qual iniciamos, um dia, a nossa viagem.

Passageiros simples, de todos os tipos, que jamais imaginaram ter no comando do veículo um homem que não soubesse guiar um gigante de aço, ou mesmo um brinquedo de plástico.

Mas à maioria dessa gente só interessa o que é belo. Só a paisagem vista da janela é digna de exaltação. Por isso, alguns não dormem. Longe deles a percepção de que estas mesmas imagens já começam a se distorcer. Elas sempre foram assim! – é argumento que posso ler em cada olhar de quem não deixa a confortável poltrona, alimentando seu parco saber das notícias da televisão.

E esse trem é formado por muitos vagões, dentre os quais alguns entregues à violência e aos desmandos de dirigentes. Noutros, a pobreza extrema mata por inanição e doenças que têm origem na falta de saneamento, de hospitais e de médicos. Mas o maquinista não olha para trás. Só lhe convém bajular e se espelhar no maquinista do enorme expresso do Norte, sem notar que o seu trem, este trem, segue noutro rumo.

Claro que jamais passou pela cabeça deste maquinista, recentemente empossado na função, a ideia de oferecer boa viagem aos seus passageiros. Está, pois, obsecado também em desaparelhar ou mesmo fazer descarrilar um vagão, só porque sua cor não lhe agrada. Mete-lhe muito medo a cor em questão.

Mas o trem que inspirou esta crônica também possui vagões enormes em que viaja todo o tipo de povo. Dentre eles, gente de outra estirpe, que foge ao comum, ao grosso da coisa. São pessoas lindas e perfumadas que, a contragosto, viajam no mesmo trem, ao lado do populacho, que desprezam ou que sequer enxergam. Povo maltratado aquele que, por viver décadas num trem que privilegia uma pequena parte dos passageiros em detrimento da maioria, foi sendo empurrado para a sarjeta da vida. E aquela gente linda já começa, inclusive, a pedir que se afaste do seu corredor, de sua poltrona de primeira, o indesejado que o destino cruel houve por bem transformar em miserável. Povo com sangue na veia, condenado à masmorra do submundo, mas que viaja no mesmo vagão, do mesmo trem.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.