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A cada vez mais difícil arte de ensinar Português
Rodolfo de Souza
10/01/2019 | 07:00
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 Há muito tempo decidi encarar o ofício de ensinar. Amo sobremaneira o meu trabalho que consiste basicamente em clarear a mente ainda verde, fazê-la amadurecer e dar a ela os primeiros passos no salutar exercício de pensar. E porque sou professor de Português, interpreto textos, os mais variados, junto com os alunos, para quem a escrita ainda soa complexa demais, condição responsável por aquela preguiça danada que bate no coro na hora de estudar. Sigo ao lado da garotada também na produção das temidas redações, na leitura dos trabalhos feitos, pedindo para que refaçam e consertem o que deixou a desejar... Eterna prática de releitura, reescrita e chateação que sempre dá muito o que falar. Insisto ainda na necessidade de se ler bastante para tornar rico o texto. O problema é quando me perguntam sobre o que ler... Antes eu sabia o que responder, hoje procuro rever meus métodos.

Assuntos polêmicos à parte, contudo, e as turmas geralmente acabam por apreciar o envolvimento com estudo de tal monta, embora reclamem um pouco quando tropeçam nos verbos transitivos e intransitivos, no indigesto objeto direto, aporrinhação dos diabos que também encontramos nos tortuosos caminhos que nos levam a encalhar nos predicados, nos insondáveis meandros dos períodos compostos por coordenação e por subordinação. Ah! Este último sempre dá muito trabalho! Mas que é preciso aprender a lidar com a subordinação, lá isso é. Primeiro porque o termo remonta à ideia de se estar subordinado a algo ou a alguém. Um solado que pisa um patamar superior ao das pessoas comuns, por certo que possui subordinados. Isso todos devem compreender, alunos ou não.

Complexo idioma este nosso, afinal! Tanto é que, não raro, nos deparamos com estrangeiros dizendo o quanto é difícil aprender a língua portuguesa. Um entrave no aprendizado, por exemplo, é o uso do gênero, situação nova para as pessoas de outras paragens que não contam com a variação no seu linguajar. E eles não entendem, inclusive, como se tornou difícil também para nós, professores de Português, trabalhar os gêneros aqui, debaixo desta imensa lona. Ocorreu-me até não mais tocar no assunto em aulas de gramática, mesmo que, no futuro, passemos a falar “o mesa, o cadeira”, pronúncia do alemão que aprendeu Português recentemente.

Quanto aos verbos, também terei que tomar o devido cuidado para trabalhar a conjugação deles. O verbo “falar”, por exemplo, jamais poderei conjugá-lo no presente ou no passado, tampouco no futuro. Apesar de que “ouvir, pensar, questionar, contestar, argumentar, militar”, também devem ser usados com cautela nesses novos tempos. Logicamente que militar, enquanto substantivo, até que cai bem nas aulas. Mas a palavra é a mesma! – dirá o trabalhador que se especializou em outra área. Não! – direi eu. Jamais confunda substantivo com verbo, principalmente quando o verbo estiver no imperativo. “Cumpra-se” é um bom modelo.

Outra encrenca em dias atuais é explorar o vastíssimo campo dos adjetivos, este singular personagem que doravante só terá oportunidade de aparecer nas minhas aulas quando exaltar as boas qualidades do sujeito da oração. Fica-lhe, pois, vetado adotar formas como imbecil ou pusilânime. Só vale bonitinho, destemido, adorado, incrível, mitológico...

Vê amigo, como é cansativo lecionar gramática nesse novo conceito de escola? Penso até em partir só para a produção textual. Ainda que escolher o tema não seja tarefa das mais fáceis. Talvez se falarmos somente de campos, pássaros e borboletas (nunca de flores)... Sim! Quem sabe proponha uma ode ao fascínio pelos mares, destino de quem não suporta mais a bucha de lecionar em pátria Tupinambá, por exemplo.

É, pensando bem, acho melhor mudar de disciplina e ensinar Matemática. Não, História não! Pelo amor de Deus!




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