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Terça-Feira, 16 de Abril de 2024

Treinadores: reféns da cultura ultrapassada
Por Dérek Bittencourt
30/09/2019 | 21:48
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As cenas que o futebol brasileiro viveu nos últimos dias foram apavorantes para a classe dos treinadores e mostraram as fragilidades às quais estes profissionais estão expostos. Nada menos do que quatro técnicos perderam seus cargos entre quarta e quinta-feira apenas na Série A do Campeonato Brasileiro: Cuca (São Paulo), Rogério Ceni (Cruzeiro), Oswaldo de Oliveira (Fluminense) e Zé Ricardo (Fortaleza). E em pelo menos dois destes casos, os jogadores tiveram participação direta na decisão das diretorias. O argumento de que é mais fácil demitir uma pessoa do que 30 já não é mais único – apesar de ser uma opção a se considerar –, mas as panelinhas formadas dentro dos clubes acabam determinando pela sequência ou interrupção de um trabalho, prejudicando planejamento, ambiente e muito mais.

Conversei com alguns treinadores e foi possível perceber que estão bastante apreensivos com o atual momento do futebol nacional. Sem exagero: todos utilizaram a palavra “refém” para demonstrar como se sentem com relação aos atletas. E pediram que, assim como foi com a criação da Lei Pelé, que acabou com a Lei do Passe e respaldou os jogadores em 1998, os técnicos também consigam alguma conquista na esfera desportiva por cargos menos ameaçados e direitos mais garantidos.

Para citar os dois casos mais emblemáticos desta última semana: os fatos vividos por Oswaldo de Oliveira no segundo tempo da partida contra o Santos, quando foi alvo de ofensas de um revoltado e insubordinado Paulo Henrique Ganso, que não aceitou ser substituído, e por Rogério Ceni, que acabou pagando o preço por deixar alguns medalhões fora do time. Para se ter noção do quanto ambos foram vítimas dos jogadores, Oswaldo teve apenas 38 dias nesta passagem pelo Fluminense, enquanto Rogério durou 47 dias à frente do Cruzeiro.

Futebol não é uma engenharia em que a mudança de uma peça tem efeito imediato. É necessário tempo, que não foi dado para ambos. Aliás, pelo contrário. No jogo seguinte à saída do treinador do Fluminense, o que aconteceu: Ganso foi capitão da equipe. E os mineiros: trouxeram Abel Braga, que é amigo de longa data justamente daqueles que minaram o trabalho de Ceni, ou seja, Thiago Neves e companhia.

Sérgio Soares, multicampeão com o Santo André – e que na região também comandou São Caetano e São Bernardo –, disse ter vivido no ABC-RN situação similar às que viveram Rogério Ceni e Oswaldo de Oliveira. “Há força muito grande por parte dos atletas. Posso dizer sem dúvida e com propriedade porque o que aconteceu comigo no ABC-RN foi mais ou menos parecido, mas saí antes. Os jogadores estão muito absolutos dentro dos clubes. A lei favorece os atletas. O fato de o clube ter de pagar 100% do contrato, às vezes atleta tem vínculo de dois, três anos, isso onera demais a folha do clube e acaba ficando na mão deles”, afirmou o técnico, que está sem time. “A atitude que o Ganso teve com o Oswaldo transcende o profissional, é o respeito com o ser humano. O que fez com um senhor, um cara mais velho, isso é reflexo da sociedade, a inversão de valores. E o Oswaldo, na coletiva, teria que ter tido atitude diferente do que dizer que foi lá e abraçou o Ganso. Era momento de repreensão, não pode achar que é normal”, continuou.

Renato Peixe, atual comandante do EC São Bernardo na Copa Paulista, utilizou exemplo bastante pertinente para exemplificar que não só os atletas e clubes complicam a situação dos treinadores. “No Campeonato Paulista, por exemplo, você poder inscrever 26 jogadores e eles têm a inteligência de que não pode mudar mais (a lista de inscritos), e que se eu quiser mandar embora três ou quatro, fico sem para disputar a competição. Então a gente fica refém disso”, declarou. “Hoje o jogador tem de cumprir seu contrato e se for mandado embora (o clube) tem de pagar o contrato todinho, e com os treinadores não acontece isso. Então a gente fica refém dos jogadores”, continuou.

Treinador do Atibaia nesta Copa Paulista e com grande identificação no São Bernardo FC, Wilson Júnior lamentou o fato de a classe dos treinadores de futebol não ser unida. E vai além. “Acho a classe muito desunida, a maioria vai em jogos para roubar emprego de outros, alguns vão até com empresário para forçar o nome. Acho que a maioria dos treinadores não tem ética e acaba sendo refém disso. Então acho que precisam ter mais consciência, porque também têm culpa de ter chegado a esse ponto”, disse, sem deixar de citar a responsabilidade que os jogadores têm nesta situação. “É triste, complicado uma só pessoa ser responsável por tudo o que acontece de negativo num clube. Falta planejamento no sentido de convicção sobre o perfil do treinador que está sendo contratado, se combina com o perfil dos jogadores que vai trabalhar, com o que o clube quer, a cultura do clube, para se equivocar menos. Acaba que o treinador está sempre na corda bamba. É fácil jogar (a responsabilidade) simplesmente sobre o treinador e o resto está tudo certo. É cultural no nosso futebol. Os jogadores estão sempre certos, não costumam olhar para si e se perguntar o que poderiam fazer de melhor, então é mais fácil para eles.”

De acordo com o advogado especialista em direito desportivo Cristiano Caús, já existe uma lei dos treinadores, que garante a esses profissionais 50% do valor do salário até o fim do contrato. Entretanto, infelizmente não acredita que alguma outra ação possa ser tomada. “Não tem lei que vai mudar isso. Jogador é ativo, formado para vender, e treinador não. O clube vai sempre pender para o lado da ‘receita’, não da ‘despesa’”, observou.
 




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