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Fé e planos ajudam na luta contra as drogas

Criada há cinco anos, Comunidade Amor Fraterno atende homens a partir dos 18

Por Camila Galvez
Do Diário do Grande ABC
06/10/2013 | 07:00
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Da experiência de ter pai alcoólatra e irmãos dependentes de drogas nasceu o centro de tratamento para dependente químico e alcoólatra Comunidade Amor Fraterno, fundado pelo corretor de imóveis Marcos Soares. Localizada em Ribeirão Pires, a casa, que tem capacidade para até 30 homens a partir dos 18 anos, atende 12 atualmente, que contam com fé e planos para o futuro na luta contra a dependência.

Soares foi voluntário de uma ONG por seis anos antes de fundar sua própria entidade, na casa onde nasceu e passou a infância, no bairro Ouro Fino. “Meus três irmãos eram dependentes químicos. Perdi dois deles, viciados em cocaína e heroína. Eles contraíram HIV (vírus da Aids) por causa das seringas.”

A comunidade sobrevive hoje com o auxílio de sete empresários, que contribuem mensalmente. “As pessoas têm preconceito e não querem se envolver com a causa”, opina Soares. Além da ajuda financeira dos colaboradores, quem pode paga pelo tratamento para que os carentes usufruam de bolsa social. “Foi o jeito que encontramos para garantir que todos tenham a oportunidade de voltar a viver livre do vício.”

TRATAMENTO

Diretor terapêutico da comunidade e um dos fundadores, Murillo Grecco explica que o tratamento dura, no mínimo, seis meses, e inclui atendimento psicológico duas vezes por semana, terapia espiritual e laborterapia, aulas de música, entre outros. “A diferença dos demais lugares é que aqui respeitamos a diversidade e fazemos o tratamento de forma individual, de acordo com as necessidades do paciente.”

Conforme Grecco, o adicto também passa por terapia racional emotiva, que trabalha a questão que o levou ao consumo de álcool e drogas, além do programa de prevenção às recaídas, entrevista motivacional e life coach. “É preciso estabelecer parceria entre o dependente e o profissional de forma a traçar metas e planos para o futuro, com cronograma determinado a ser seguido. Isso ajuda a se manter longe do vício”, explica o diretor terapêutico.

O trabalho integrado e a espiritualidade garantem que o índice de recaídas seja mínimo em relação àqueles que cumprem o tratamento até o fim. “Credito isso a Deus. Sem Ele, não é possível se recuperar, mas é essencial tratar também a saúde e a mente do dependente”, destaca Soares.

Agora me sinto útil, diz usuário

 “Usei drogas porque quis, mas culpava minha mãe, que era alcoólatra, e a ausência do meu pai, que só conheci depois de adulto, por isso. Hoje, aprendi que o que eu tinha era uma doença, e consegui controlá-la.”

O relato do monitor e conselheiro da Comunidade Amor Fraterno Arthur do Espírito Santo Garcia, 21 anos, mostra bem as dificuldades de conviver com a dependência química, que é reconhecida como doença física, mental e espiritual. Garcia, que é do Jardim Ângela, bairro da Capital, passou por tratamento na comunidade, onde permaneceu internado por nove meses, em 2011. Desde então, está ‘limpo’, ou seja, sem usar qualquer substância.

 “Comecei com lança-perfume aos 14 anos. Frequentava a Congregação Cristã, mas o vício me afastou quando tive uma desilusão amorosa e comecei a consumir cocaína e maconha sem controle.”

Garcia conta que entre os companheiros de uso de drogas, havia preconceito contra quem consumia crack. “Achava que eu não era viciado, mas quem usava crack era a escória, não tinha mais jeito. Eu era incapaz de perceber o quanto as drogas me faziam mal.”

Garcia também sofreu as consequências da escolha de más companhias. “Só optava pelo lado ruim das coisas. Por causa disso, tive passagem pela Fundação Casa por roubo, porque tinha que sustentar o vício e não media as atitudes que tomava. Todo o dinheiro que conseguia era para gastar com as drogas.”

Hoje, o orgulho do jovem, que voltou a frequentar a igreja, é poder ajudar a abrir os olhos e a mente de outras pessoas que passam pela mesma situação que ele. “Me sinto útil e sei que não quero mais a vida que tinha antes. Aqui, aprendi a não correr para a droga diante da primeira dificuldade. Sei lidar melhor com os meus sentimentos. É o que tento passar para quem chega.” 

Amigos ajudam um ao outro a continuar no tratamento

Há pouco mais de três meses, Emerson José Almeida Moura, 23 anos, e Marco Antonio Madaleno, 37, viviam nas ruas de Suzano. Passaram frio, fome, ficaram sem tomar banho e o único teto que tinham sobre a cabeça era o de uma casa abandonada que lhes servia de moradia. Andavam juntos para se proteger. E a amizade que nasceu nas ruas acabou por levá-los à Comunidade Amor Fraterno, onde hoje passam por tratamento para a dependência química.

Ambos já estiveram internados em outras clínicas, mas acreditam que dessa vez será diferente. “Aqui temos atendimento psicológico duas vezes por semana, o que nos auxilia a entender melhor o porquê de termos recorrido às drogas como solução dos nossos problemas”, destaca Madaleno, que é usuário de álcool e crack desde os 20 anos, mas a situação se agravou após o casamento de dez anos chegar ao fim. “Me entreguei completamente para o vício porque não soube lidar com as perdas.”

Moura também passou por baque emocional com a morte do pai e, aos 16, viu no álcool e no crack a saída – errada – para seus problemas. “Mesmo na rua, sempre fiz bicos para sustentar o vício.”

 Madaleno lembra que, se tivesse dinheiro na mão, preferia comprar drogas a se alimentar. “Fiquei muito debilitado, mas não sabia que estava doente até chegar aqui.”

Quem conseguiu a vaga para ambos na comunidade foi uma moradora de Suzano que se sensibilizou com a causa. “Ela frequentava a Congregação Cristã e sabia da Comunidade Amor Fraterno. Ela arrumou uma vaga para o Emerson, mas eu não queria vir”, relembra Madaleno. 

Mas Moura insistiu, conseguiu vaga para o amigo e ele acabou cedendo. Hoje, ambos se apoiam na luta contra o vício. “Me sinto outra pessoa. Quero retomar o contato com meus filhos e fazer curso técnico em química”, afirma Madaleno, que já faz planos para o futuro, assim como Moura, que quer terminar o Ensino Médio e fazer curso no Senai. “Dessa vez tenho certeza que consigo.”




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