Economia Titulo Reflexo
Delação atinge em cheio economia

Após denúncia de Joesley e anúncio de que Temer
não vai renunciar, recuperação fica mais distante

Flavia Kurotori
Gabriel Russini
Soraia Abreu Pedrozo
19/05/2017 | 07:01
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Divulgação


A tão esperada recuperação da economia que ensaiava seus primeiros passos e, com ela, a colheita de frutos como a queda dos juros e da inflação, o restabelecimento da confiança, o maior acesso ao crédito, a retomada de investimentos e a criação de empregos, agora é vista pelo retrovisor.

O cenário foi abalado a partir da delação premiada de um dos proprietários do frigorífico JBS, Joesley Batista, na noite de quarta-feira, acerca de gravação do presidente Michel Temer (PMDB) dando aval para comprar o silêncio do ex-deputado e ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, que atualmente está preso em Curitiba (Paraná).

À 16h de ontem, Temer realizou pronunciamento dizendo que não renunciará à Presidência da República. “Estamos em um momento de queda da inflação, retorno do crescimento da economia e de geração de emprego. Quando finalmente o otimismo retornava e as reformas (trabalhista e previdenciária) avançavam, após imenso esforço de tirar o País da recessão, não podemos fazer com que isso se torne inútil. Eu não comprei o silêncio de ninguém. Eu não renunciarei. Eu sei o que fiz”, disse, em rede nacional.

A declaração tornou o mercado financeiro ainda mais instável do que pela manhã, afirmou o economista e professor de Finanças da FGV (Fundação Getulio Vargas) de São Paulo Fábio Gallo. “Com o anúncio de que (Temer) não renunciaria, o País ficará sangrando por mais tempo, pois é incerto se teremos um impeachment ou novas eleições.”

“O mercado é volátil. Temos um futuro próximo que é desconhecido”, lamenta o professor da Fipecafi (Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras) Silvio Paixão. “A situação econômica do Brasil está mostrando sinais de melhora mas, com essa desestabilização, temos que torcer para não voltar a piorar”, complementou.

O País estava reconquistando a confiança dos investidores internacionais, entretanto, conforme o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, agora “o País está com a imagem deteriorada”. “A nota de risco do Brasil, possivelmente, continuará negativa, afastando os investidores, que são essenciais para a recuperação da economia”, explica.

Ainda para Agostini, “o Brasil está dando muitos passos para trás em relação à melhora econômica. Já que não houve renúncia, Michel Temer e Henrique Meirelles terão trabalho adicional”.

Para o economista e coordenador do curso de Administração do Instituto Mauá de Tecnologia, Ricardo Balistiero, não há como dissociar política e economia neste momento. “O crescimento, que já era modesto, ficará muito mais lento.”

Na opinião de Volney Gouveia, professor da Escola de Negócios da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), o atual governo não tem condições de prosseguir com o mandato. “Agora, as reformas dificilmente serão aprovadas”. Para Maria do Carmo Romeiro, economista e pró-reitora da USCS, o quadro é muito crítico. “(A notícia) Infelizmente veio em um momento de resgate de autoestima. Agora, a situação está devastadora.”

DESEMPREGO - De acordo com a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), pesquisa realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o número de desempregados do País no primeiro trimestre deste ano chegou a cerca de 14,2 milhões de pessoas. Desses, 233 mil estão no Grande ABC, segundo o Seade/Dieese.

Para Silvio Paixão, o maior prejuízo para a população, nesse cenário de incertezas, é a manutenção do emprego, que nas sete cidades, berço da indústria automotiva, mostrou sinais de melhoras em abril, ao interromper sequência de 28 meses em que as demissões superaram as contratações, e registrar saldo positivo de 845 postos formais, conforme dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego).

“A região sofre pela importância econômica que possui através da forte presença industrial”, disse Gouveia. Com a disparada do dólar, aliás, deve ter início novo ciclo de alta da inflação, já que os preços dos insumos e outros produtos ficarão mais caros. Dessa forma, a taxa básica de juros, que vem em queda, pode ser elevada novamente.


Dólar tem maior alta em 18 anos; Bovespa, maior queda em nove

Ontem, o mercado financeiro brasileiro viveu a mais intensa turbulência dos últimos anos. O dólar atingiu a maior variação desde 15 de janeiro de 1999, quando a moeda norte-americana aumentou 11,10% sobre o real – que havia sofrido maxidesvalorização à época. Ontem, a divisa disparou 8,15% e atingiu R$ 3,38, mais alto valor de fechamento desde dezembro de 2016. Foi o terceiro maior aumento da história do real.

Para se ter ideia, na quarta-feira o dólar na modalidade comercial, utilizada para operações de compra e venda de mercadorias entre países, estava em R$ 3,13 – houve valorização de R$ 0,25 em 24 horas.

Desde 2008, quando houve a quebra do banco norte-americano Lehman Brothers e a eclosão da crise econômica internacional, a Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo) não registrava queda tão expressiva de seus papéis. No dia 22 de outubro daquele ano, o tombo do Ibovespa, principal indicador da bolsa de valores, foi de 10,18%.

Na manhã de ontem, quando o indicador atingiu queda de 10,70%, as negociações foram paralisadas por 30 minutos. Esse mecanismo de pausa é conhecido como circuit breaker e ocorre sempre que a bolsa despenca expressivamente – a última vez tinha sido exatamente há nove anos. No fim do dia, porém, a retração ficou em 8,8%, registrando 61.597 pontos, menor patamar desde janeiro.

IMPACTO - A confiança do mercado financeiro foi abalada a partir da denúncia da JBS envolvendo o presidente Michel Temer (PMDB). Isso porque, quando houve o impeachment de Dilma Rousseff (PT), havia a aposta de que, ao sanar a crise política, a turbulência na economia também passaria, e que o Brasil voltaria a ser atrativo para investimentos. “Agora, o mercado não sabe o que vai acontecer”, disse a economista e pró-reitora da USCS, Maria do Carmo Romeiro. “O melhor para o mercado neste momento é a renúncia do presidente, que a partir de agora não tem condições mínimas de governabilidade”, avaliou o economista Ricardo Balistiero.

“A flutuação do dólar é normal em momentos de instabilidade, o que em algumas circunstâncias pode favorecer as exportações. Porém, quando a situação vai se alongando, a blindagem deixa de existir”, assinalou o economista Volney Gouveia.


Cenário afeta quem tem viagem marcada

Com a alta do dólar, a modalidade turismo, vendida para a pessoa física que pretende viajar ao Exterior, fechou o dia em R$ 3,52. Na quarta-feira, para se ter ideia, a divisa havia encerrado o dia cotada a R$ 3,26. Ou seja, em 24 horas, registrou incremento de R$ 0,26.

Ontem, no entanto, por falta de parâmetros em razão do cenário político, ao longo do dia as casas de câmbio chegaram a vender a moeda por R$ 4. “É terrível para quem vai viajar para fora nos próximos dias”, disse Ricardo Balistiero, economista e coordenador do curso de administração do Instituto Mauá de Tecnologia.

Caso do representante comercial José Roberto Ribas Júnior, 33 anos, de Santo André, que está com viagem marcada para Cancún (México) no início de junho e ainda não comprou as divisas para utilizar no destino. “Quando você decide viajar, já há um certo planejamento. Ninguém espera por uma situação dessas. Fomos pegos de surpresa”, comenta. Ribas Júnior acredita que, “infelizmente, o dólar vai subir ainda mais”.

Ele explica que a viagem está planejada desde o início do ano, no entanto, estava aguardando a proximidade com o embarque para fazer tanto a compra da moeda norte-americana, quanto a do peso mexicano. Apesar de a viagem ter sido premiação da empresa em que trabalha, ele lamenta: “vou acabar gastando muito mais do que havia planejado”. Como saída, o representante comercial irá negociar com a gerente do seu banco a utilização do cartão de crédito.

NA PRÁTICA - A equipe do Diário apurou valores praticados em casas de câmbio da região e verificou que o dólar estava sendo vendido entre R$ 3,62 e R$ 3,97, enquanto que o euro oscilava de R$ 4,01 a R$ 4,42.

Conforme recomendações dos próprios funcionários das unidades, caso não seja necessária a compra imediata da moeda, o ideal é aguardar o mercado se acalmar e esperar até a semana que vem.

“Agora é hora de ficar quieto e não se mexer”, sugere o economista da FGV Fábio Gallo, referindo-se à compra de moedas e viagens, além de investimentos. “Estamos em momento de tempestade, não se sabe como a economia estará daqui a um mês.”


Sem clima, reformas devem travar no Congresso

As notícias sobre a delação premiada devem travar e implodir a base do governo federal para aprovação das reformas da Previdência e trabalhista. Na visão do advogado e sócio do escritório Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados, Gustavo Ramos, as reformas devem sair da pauta do Congresso de imediato.

“A gravidade e a imoralidade dos fatos que vieram à tona recentemente, envolvendo diretamente o presidente da República e representantes da base parlamentar do governo, impõem a retirada de pauta dos projetos de reforma trabalhista e previdenciária, cujo mote é claramente o atendimento a interesses econômicos de diversas empresas envolvidas nos escândalos de corrupção. As reformas em questão não interessam à população brasileira, mas aos grandes grupos econômicos que mantêm relações promíscuas com atuais ocupantes do poder”, defende.

O advogado e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, Murilo Aith, ressalta que não há clima e nem confiança para os parlamentares votarem qualquer reforma estrutural nos direitos dos trabalhadores e dos aposentados brasileiros, sem ampla auditoria, intenso diálogo e debate sobre as reais necessidades do sistema previdenciário.

“Neste momento não há razoabilidade para se aprovar qualquer tipo de reforma no sistema previdenciário brasileiro. Estamos num momento de graves crises política e institucional. E a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 287 perde toda a sua força no Congresso. Não existe legitimidade do governo nem dos parlamentares atuais para a votação de mudanças tão pujantes e que restringem direitos conquistados por décadas pelos trabalhadores e aposentados brasileiros”, avalia.

Os economistas ouvidos pelo Diário também acreditam que o atual governo não reúne condições para seguir com as reformas. Segundo Alex Agostini, as mudanças estavam atraindo a confiança dos investidores de volta para o País, mas, com o afastamento dos aliados de Michel Temer, “as mudanças estão longe de serem aprovadas”, fazendo com que a recuperação seja ainda mais difícil.

(Colaborou Caio Prates) 




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