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A verdade, como lhe convém
Raphael Rocha
15/03/2017 | 07:00
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Pois eis que agora, tantos anos depois do início da Operação Lava Jato, depois de impiedosamente atacado, Lula começa a repor a verdade dos fatos – a verdade dele, claro, mas quem disse que a verdade é apenas uma?

Agora sabemos, por seu depoimento, que Lula há três anos é vítima de um massacre. Pois nenhum político ou empresário, nem os Odebrecht, jamais lhe deu R$ 10. E diz a verdade: ninguém lhe deu R$ 10.

Acusá-lo de tentar obstruir as investigações da Lava Jato, que absurdo! Afirma Lula que o senador Delcídio do Amaral “disse uma inverdade” ao afirmar, em delação premiada, que haviam conversado sobre maneiras de convencer Nestor Cerveró a calar-se sobre o que sabia da Petrobras. Lula, aliás, nem conhecia Cerveró. É verdade, claro: é impossível exigir que o presidente da República conheça um funcionário de uma estatal, mesmo que seja de alto escalão, mesmo que a empresa seja a maior do País, mesmo que seja Cerveró. Lula deve tê-lo cumprimentado sem prestar muita atenção. Seria incapaz de reconhecê-lo – afinal de contas, por que iria prestar atenção num rosto tão comum, numa empresa tão grande?

Lula diz também que fica profundamente ofendido com a insinuação de que o PT é organização criminosa. Só porque o “capitão do time” está preso, os três últimos tesoureiros do PT foram condenados, um presidente do partido também? Isso o ofende, claro: pois quem é o Brahma, o número 1?

A verdade...
No depoimento, Lula disse que passou os oito anos de seu governo sem participar de jantares e aniversários, “exatamente para não dar pretexto de aparecer àqueles que vêm tirar fotografia com celular para depois explorar essa fotografia”. Os maldosos lembram um belo jantar, em 4 de agosto de 2006, oferecido por ele no Jockey Club de São Paulo a empresários e políticos, para arrecadar fundos. Foram 1.000 convites a R$ 2.000 cada; descontada a despesa, sobraria R$ 1,7 milhão. E, segundo o coordenador da campanha, Ricardo Berzoini, “é evidente que dá a oportunidade de diálogo do presidente com o empresariado e profissionais liberais”. Terá Lula dito uma inverdade? Não: ele disse que não participou de jantares. E esse, preparado pelo ótimo chef Charlô, não foi um jantar, foi um banquete.

...é uma mentira...
Houve também um almoço mais baratinho, em 13 de julho de 2006, no Restaurante São Judas, na rota do Frango com Polenta, no Grande ABC. Foram servidos dois tipos de frango (frito, com polenta frita; e à italiana, com molho de maionese); água, cerveja, refrigerantes. Lucro: R$ 495 mil. “É que Lula circula bem em todas as classes”, esclareceu Berzoini.

...que aconteceu
Lula disse, enfim, que não é contra a Operação Lava Jato. “Eu quero que a Lava Jato vá fundo para ver se acaba com a corrupção”. E não é que mais uma vez ele fala a verdade? Lula é a favor da Lava Jato, e só dela discorda num pequeno detalhe: andou pegando políticos companheiros e empresários aliados, que além de aliados sempre foram generosos. Se a Lava Jato esquecesse o PT, Lula seria 100% a favor.

A verdade...
Para completar o elenco de verdades pouco conhecidas, o ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli disse ao juiz Sérgio Moro que “nunca falou de propina com Palocci”. Claro que não! Gabrielli sempre foi um executivo preocupado com a empresa. Até hoje, por exemplo, defende a compra pela Petrobras da Ruivinha, uma refinaria toda enferrujada em Pasadena, Estados Unidos. A empresa belga Astra Oil comprou a refinaria por US$ 42 milhões e a vendeu à Petrobras, pouco depois, por US$ 1,1 bilhão. Segundo o delator Agosthilde Mônaco de Carvalho, já antes da compra Gabrielli tinha indicado a Odebrecht para reformá-la. Um executivo tão preocupado com a empresa que antes mesmo de fechar um negócio já tinha decidido como iniciar a operação não iria conversar sobre propinas e pixulecos com um político importante como Palocci. Talvez tenham discutido a adequada destinação dos parcos recursos disponíveis.

...de cada um
Patriarca da empresa, Emílio Odebrecht vê Antônio Palocci como político especial – “não carreirista como a maioria, mas homem inteligente com visão de estadista”. Emílio Odebrecht, com tantos anos de experiência no mercado, certamente sabe avaliar as pessoas; conhece a diferença entre o que um político acha que vale e seu valor real. “A gente trocava muitas ideias sobre aquilo que era importante para o nosso Brasil”, narrou. De um lado da mesa, Emílio Odebrecht; de outro, Antônio Palocci. Assistir à troca de ideias entre ambos, conhecedores do mundo e do comportamento dos seres humanos, deve ser instrutivo, aula de economia, de gestão e de política. Privilégio valiosíssimo.




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