Cotidiano Titulo
Praticidade a serviço do papo-furado
Rodolfo de Souza
20/04/2017 | 07:00
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 E é assim noite e dia: um sem fim de belas mensagens que inundam o celular, fazendo-o vibrar de entusiasmo. Mesmo estando frustrado por ter sido retirado o seu volume de som, intenção declarada e hostil de calar a sua boca que, ao contrário, tocaria todo o tempo para avisar que alguém manda um fervoroso ‘bom dia’ e outros dez respondem; também para trazer aquela nota de paz e lição de vida; um filme longa-metragem de trilha sonora irritante, palavras de sincera beatitude... Passarinhos, cachorrinhos, gatinhos, borboletas e bebês, todos carregados de brilho e movimentos graciosos também comparecem para desejar paz, fé e otimismo, coisa que nem sempre é visto com seriedade pelo próprio sujeito que espalha a mensagem para o grupo. Sem contar, claro, a oração que deve ser repassada, uma forma de espantar o azar e trazer a fortuna que encherá de alegria o seu coração. Isso é o WhatsApp, afinal. Rubem Braga e Drummond jamais sonharam escrever crônica sobre ele. Talvez até me invejassem.

Indubitavelmente útil e extraordinário, o WhatsApp oferece praticidade e rapidez na comunicação para quem deseja informar, trocar ideias acerca de fato importante, espalhar novidade e curiosidade, algo engraçado para descontrair – por que não? Tudo muito bom. Só o excesso me aborrece. Na realidade não tenho lá muito apreço pelos excessos, o que inclui o uso indiscriminado dos produtos que a modernidade generosamente oferece.

Diga-se de passagem, muito tenho falado sobre o tema tecnologia aqui neste espaço. Preocupa-me até deixar enfastiado o leitor com tamanho leque de assuntos cibernéticos que fazem parte desta mesa, das rodas e até do travesseiro do indivíduo que se entrega de corpo e alma aos olhos do mundo sem se dar conta de que sua intimidade anda na berlinda, sujeita mesmo aos mais diversos olhares, bons e maus. Até porque, há sempre uma câmera a espreitá-lo em cada canto, em cada esquina, em cada vão de telha, minando aos poucos a sua privacidade, sobretudo quando este a entrega de bandeja, exibindo-a nas ‘redes sociais’, praga que se disseminou neste tempo em que os meios de comunicação deram um salto com vara em sua evolução.

A coisa é tão preocupante que até um personagem ganhou notoriedade e se tornou comum por se espalhar nos bilhões de sinapses digitais que normalmente partem das mãos de quem escreve ou posta imagens para o mundo, seja no computador ou no telefone. Vírus, há bem pouco tempo, era somente uma molécula tinhosa que causava uma série de chateações aos corpos de internautas e dos demais seres humanos destituídos dos mesmos ímpetos contemporâneos. Hoje ele também habita as mentes eletrônicas e viaja por elas para qualquer canto, sem grandes dificuldades, causando danos na vida de quem depende da máquina para trabalhar ou estudar. Sem dúvida, uma forma de violação.

Chego a pensar que não tarda o dia em que as pessoas começarão a trocar a tecnologia que invade as suas vidas pelos meios de comunicação tradicionais que há muito ficaram esquecidos. Todos de um tempo em que bisbilhotar era checar a intimidade alheia pelo buraco da fechadura.




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