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Sexta-Feira, 19 de Abril de 2024

Política
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Entrevista da semana
Marcos Bassi:‘Sobre política, nunca se sabe o dia de amanhã’

Marcos Bassi, reitor da USCS

Por Raphael Rocha
Diário do Grande ABC
19/01/2020 | 23:59
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Denis Maciel/DGABC


Reitor da USCS (Universidade Municipal de São Caetano) desde 2013, Marcos Bassi faz balanço de sua passagem à frente da instituição de ensino, comenta os passos dados rumo ao aperfeiçoamento dos instrumentos internos em meio às mudanças provocadas pela tecnologia e acredita ter deixado encaminhado futuro da entidade. Em visita ao Diário, o professor elogia a integração entre o governo de José Auricchio Júnior (PSDB) e a USCS e trata sobre política, admitindo ingressar na vida pública. “Não sei se estou disposto a ir para esse lado. Mas nunca se sabe o dia de amanhã, pode abrir essa possibilidade”, reconheceu. 

Raio X

Nome: Marcos Sidnei Bassi

Estado civil: Casado com Carla, pai de Giovanni, 21 anos, e Laís, 15

Idade: 57 anos

Local de nascimento: Santo André, mas sempre viveu em São Caetano

Formação: Sociólogo, pela USCS, antigo Imes, em 1987

Hobby: Ver filmes, séries. Ler romance policial

Local predileto: Minha casa

Livro que recomenda: Do Yuval Noah Harari

Artista que marcou sua vida: Nunca pensei nisso

Profissão: Professor

Onde trabalha: USCS

O que esperar da USCS em 2020?

Estou indo para praticamente meu último ano de mandato, que termina em fevereiro de 2021, mas esses dois meses de 2021 são mais para transição. Eu me sinto muito contente, faço balanço positivo. Conseguimos pelo menos equacionar toda a parte fiscal da escola, está tudo bem redondinho, com bom superavit, que permite o desenvolvimento de novos projetos, de investir na escola, no pessoal, na parte física. Neste ano fizemos muito da parte de infraestrutura, estamos contratando sistema novo. Dinheiro ajuda a melhorar a qualidade da escola. Conseguimos voltar a crescer o número de alunos mesmo com a crise <CF51>(econômica)</CF>, mesmo com o mercado baixando por falta de financiamento... Fies ficou bem complicado de adotar, por exemplo. Temos hoje perto de 9.000 e a nossa ideia é, se possível, chegar a 13 mil a 14 mil. É número legal para ter, mais do que isso acho número grande.

Quando a USCS completou 50 anos, em 2018, o senhor comentou que o grande desafio era trabalhar a qualidade dos cursos. Como anda esse processo?

Grande passo que temos dado é melhorar a questão da qualidade. Temos de batalhar muito, melhorar a qualidade da instituição. É o grande dilema nosso. Mas qualidade é abstrato, não é. Para mim, é inserir o aluno no mercado de trabalho. Esse é o nosso grande desafio. Lidamos com muitos alunos que vêm de escola pública, infelizmente com deficiência grande de formação. Pegar esse aluno e tentar profissionalizá-lo para inseri-lo no mercado de trabalho é o desafio. Além disso, é manter qualidade com preço justo, acessível, viável.

Em recente reunião do conselho da USCS, até que o Diário participou, foi colocada a preocupação da qualidade e obter apoio das empresas, ouvir mais para saber como anda o mercado de trabalho. Esse tema avançou?

Aquele conselho reuniu muita gente que veio da tecnologia. Essa questão do mercado de trabalho nas áreas de tecnologia é muito mais evidente do que em outras. Porque a tecnologia é muito rápida, as mudanças são muito disruptivas. O mercado muda muito. E temos o dilema do que fazer. Como pensar em curso para daqui a dois anos se pode mudar tudo em dois anos? Talvez nem exista a profissão que estamos tratando. Áreas de saúde têm regulamentação de classe, assim como direito. O curso tem de ser o mesmo. Essas, tudo bem. O curso é tradicional. Mas as outras? As grandes empresas não querem mais saber de diploma. Não quer saber onde você se formou, quer saber se você sabe ou não<CF51> (executar a tarefa)</CF>. Essas áreas são problema. Corremos risco de dar tecnólogo de dois anos ou de graduação de quatro e entregar um diploma de desempregado ao aluno. Se ele fizer quatro meses de manutenção de iPhone pode ganhar mais do que um aluno que cursou dois, quatro anos de um curso obsoleto. Isso é um dilema. As tecnologias estão desempregando muito rapidamente. Ou a escola tenta se colocar onde a bola vai cair ou tudo vai se complicar. Corrermos risco de os cursos minguarem até desaparecer. 

Na prática, como a USCS tem se preparado para enfrentar esse dilema?

Vamos retomar a PPP (Parceria Público-Privada, para remodelagem do campus Barcelona). Estamos com edital pronto. No projeto passado, a PPP tinha reformulação (do prédio como objeto), mas houve período de chuvas, decidimos alugar o (campus) Conceição. Chamei a FGV (Fundação Getulio Vargas, responsável pela concepção do projeto do novo campus Barcelona) de volta, estava para encerrar o contrato, para a gente fazer algo. Decidimos fazer um prédio menor no Barcelona, vamos abrigar a pós, que está no shoppinho de São Caetano (na Avenida Goiás). Vamos ter, na PPP, prédio, auditório e dois blocos. Vai ser ganho brutal para a gente. Nesse espaço, a gente vinha discutindo esses cursos da área de tecnologia. Pensamos fazer em um desses blocos um espaço de inovação. Inclusive, a administração do espaço será de responsabilidade da empresa que tocar a PPP. Tem projeto, edital da licitação também. Vamos colocá-lo em consulta pública, com audiência pública no meio. Um dos blocos será para isso. Queremos colocar lá aluno, professor e problemas. Em três grandes verticais. Uma de mobilidade urbana e aí quero conversar com a General Motors para saber se topam ser parceiros, capitanear as discussões. Outra vertical é de comércio eletrônico, e a ideia é trazer a Via Varejo. E uma sobre automação na área médica. É o futuro. Vamos até conversar com o Google para ver se ele vira o pano de fundo de tudo isso, porque já está na educação. Tem a ideia de trazer todo sistema Google para a escola. Em Aracaju eles têm uma universidade, a primeira do mundo, que é incrível. Os cursos vão partir do problema, não mais do que a gente acha o que é. Não vamos mais adivinhar. Quero assinar o contrato (para obra, via PPP) até julho. A obra é para no mínimo dois anos, de dois a três anos. 

Mas há processo para que o conceito de ensino também passe por reformulação?

Temos de mudar a metodologia, que já era. Ninguém aguenta mais sentar bonitinho na carteira e alguém chegar e dizer o que sabe. Acabou isso. A medicina ensinou coisa legal para a gente. O método que adotamos é o PBL, o problem based learn (ensino baseado no problema, em tradução livre). Você aprende com o problema. Você dá o problema ao aluno, não a aula. No método tradicional você dá ao aluno o conhecimento básico. O PBL dá o problema para tentar resolver. Não tem mais professor, é mais um tutor, vai orientar a pesquisa e a solução. Demanda mais do aluno, mas é muito mais rico. Exige mais. Assusta no começo, mas depois pega o jeito. O PBL é caro, não dá para ser tudo. Um professor é para seis alunos. Mas algo híbrido é possível.

Há uma recorrente crítica sobre o distanciamento das universidades, do conhecimento lá produzido, e o poder público. Em São Caetano, há vários projetos em sintonia, como o Hospital Universitário, o Hospital Veterinário. Por que esse distanciamento acontece?

Acho que falta integração, mas tenho de ser justo: em São Caetano não está assim. O prefeito (José) Auricchio (Júnior, PSDB) percebeu isso e usa e abusa da universidade. Tem visão administrativa mais além. É bom porque colocamos o aluno em situação de aprendizado na prática, vai ser bom para a Prefeitura, que compartilha espaço com nossos professores e quem ganha é a população. Mas, de modo geral, eu vejo isso também (o distanciamento). A universidade no Brasil infelizmente sempre torceu o nariz para empresas. Não sei os motivos direito. Nos Estados Unidos é completamente oposto. Também torceu um pouco o nariz para o setor público. Por características nossas, até pelo tamanho pequeno (de cidade), dá mais chance. Universidade local é grande vantagem. Onde há uma (universidade) municipal, o PIB (Produto Interno Bruto) é maior. É estatístico. As escolas municipais, os centros, têm papel grande para puxar o desenvolvimento, são indutores de qualidade.

No ano passado a USCS veio com o projeto do colégio para o ensino médio. É possível mensurar os resultados já? E o que projetar para o futuro com o projeto?

Estamos meio que antecipando (o processo de aprendizagem tradicional). Ensino médio mudou, a legislação mudou. Já saiu resolução das diretrizes nacionais curriculares e o conselho vai decidir os itinerários informativos. O que estamos vivenciando nas áreas de tecnologia (sobre dificuldades do ensino) o colégio vivencia há muitos anos. São três anos dados iguais para todo mundo, do mesmo jeito. Não dá, gera desinteresse. Cerca de 25% desistem, não se formam no Estado. É gente condenada ao subemprego para o resto da vida, não vai fazer faculdade. Fica vulnerável à gravidez precoce, à criminalidade. Todos problemas econômico-sociais advindos disso. Queremos colocar o aluno em situação de aprendizado em nível superior. Se tiverem aula de biologia, podem ir ao curso de medicina ver. Ele vai para (a universidade) depois de três anos sabendo se gosta ou não daquilo. Essa experiência está ensinando demais a gente, será renovadora, dá mais vontade de fazer coisas legais para o futuro. Até mesmo professores de mestrado e doutorado estão com mais vontade, vibram com esse assunto, há brilho nos olhos quando assunto é o colégio. Ideia é expandir mais.

Qual avaliação o senhor faz da condução do Ministério da Educação no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro?

Foi um ano perdido. Entrou aquele (Ricardo) Vélez, que nem sei de onde veio. Esse (Abraham) Weintraub é muito ruim, mistura tudo, é inoperante. O que estão fazendo com a educação, honestamente, é um crime. Teria de trocar esse ministro urgentemente. Ele tem de ser youtuber, qualquer outra coisa, menos ministro. 

Seu nome é sempre cogitado no meio político de São Caetano para ser candidato a algo. Essa é uma vontade que o senhor tem?

Várias pessoas já vieram me procurar, de fato. Mas eu nunca coloquei isso no meu radar. Nunca tive esse interesse. Eu queria ser reitor (da USCS), entrei como aluno (em 1983), estou como professor desde 1989. Queria deixar um trabalho, um legado. Acho que vamos deixar base boa para a escola se perpetuar pelos anos futuros. Nunca me coloquei como agente político. Obviamente que fazemos política, você tem de ceder, conversar, negociar, entender ponto de vista. Eu nunca me vi como agente político. Eu cheguei a pensar depois de ouvir tanta gente falando. Há um ponto de vista interessante que é o da gestão pública. Gosto disso. Mas há outro lado que é muito penoso para mim. É o lado da personalidade, tem de abrir mão da privacidade. Isso limita. Você vira alvo de ataques, justos e injustos, a esposa sofre, filhos também. Isso é ruim, gosto de ter minha vida mais preservada. Para entrar na política é abrir mão disso. É normal, é o preço a pagar. Não sei se estou disposto a ir para esse lado. Mas nunca se sabe o dia de amanhã, pode abrir essa possibilidade. São Caetano é uma cidade bem bairrista, há ligação muito forte com a cidade. Sempre acha que pode dar contribuição. Nunca esteve no meu radar, porém.




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