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Orlando Filho, fotógrafo do Diário, morre aos 54 anos
Por Daniel Tossato
Do Diário do Grande ABC
28/06/2017 | 07:00
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Banco de Dados


Faleceu ontem o repórter-fotográfico do Diário Orlando Filho, aos 54 anos. Natural de Ribeirão Pires, o profissional, que completaria 20 anos de casa em 2018, travava batalha contra problemas no coração desde 2009. Com experiência de quase 30 anos no jornalismo, Orlandinho, como era carinhosamente chamado pelos amigos de trabalho, atuou também no extinto Diário Popular e na Prefeitura de Guarulhos.

Ele estava internado desde quinta-feira no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, na Capital. A notícia surpreendeu amigos e colegas. Muitos por se sentirem “traídos” pelo bondoso coração do profissional. Desde as primeiras horas da manhã, centenas de relatos, homenagens, fotografias e dedicatórias podiam ser vistas nas redes sociais.

“Trabalhei com Orlando durante quase dez anos. Tínhamos muita afinidade e nossa parceria seria para sempre”, relatou a fotógrafa Andréa Iseki. “Além de grande fotógrafo, Orlandinho me ajudou muito. Quando precisei fazer faculdade, foi ele quem trocou de horário comigo”, relembrou o amigo e fotógrafo Fernando Dantas.

Orlando colecionava as mais divertidas histórias das inúmeras pautas que cobriu, desde ter esquecido a câmera fotográfica quando foi escalado para registrar final de campeonato de futebol até ter amassado um fogão após cair dentro de uma casa em comunidade do Grande ABC. “Tive de pagar o eletrodoméstico”, relembrava sempre. “É difícil relatar convivência de mais de dez anos com alguém como Orlando. Excelente profissional, com olhar extremamente apurado”, comentou JB Ferreira, ex-editor de fotografia do Diário. “Foi muito fácil trabalhar com ele.”

Dono de jargões repetidos por colaboradores do jornal, Orlandinho deixa legado também entre as gerações mais novas da fotografia. “Ele foi amigo e professor. Com ele que aprendi a olhar a pauta de outros ângulos”, disse Tiago Silva. “Foi e sempre será uma referência na fotografia e, principalmente, na vida”, resumiu Caio Arruda, outro profissional da área.

Apesar da fama de preocupado, Orlando tinha a fala mansa. Dono de um jeito peculiar de falar, não havia quem não o imitasse no jornal, arrancando risadas de todos. “Ele era ilha de pacifismo dentro da redação agitada e barulhenta”, disse a jornalista Isis Mastromano.

O prefeito de São Bernardo, Orlando Morando (PSDB), divulgou nota. “É com grande pesar que recebemos a notícia do falecimento de Orlando Filho, profissional de longa data na imprensa da região, trabalhando pelo Diário. Meus sinceros sentimentos à família e amigos neste momento de despedida e dor.”

Pelas redes sociais, Gabriel Roncon (PTB), vice-prefeito de Ribeirão Pires, também homenageou Orlando, “um dos mais talentosos fotógrafos da região”. “O ribeirão-pirense, morador de nossa cidade, marcou o jornalismo regional, sendo autor de importantes registros fotográficos publicados no Diário. Sua genialidade em cada clique está eternizada nas páginas de nossa história.”

Unanimidade é dizer que Orlando foi querido por todos que o conheceram. Se ele carregava coração gigante dentro do peito, os que ficam terão de carregar saudade.

 

‘Se precisar de mim, cancelo o médico’

Manhã da terça-feira, 20 de junho. Chego à Redação do Diário e, assim como faço religiosamente, cumprimento cada um dos colegas que iniciaram a labuta antes de mim. Um deles é o fotógrafo Orlando Filho. Ciente de seus problemas de Saúde, com os quais vem lutando arduamente nos últimos meses, e da consulta médica pela qual ele deverá passar dali a dois dias, sapeco-lhe um beijo no rosto e solto uma pergunta retórica. É meu jeito de tentar demonstrar que estamos juntos, que pode contar comigo, se precisar:

“Orlandinho, tudo certo para a quinta-feira, né?” Nem bem concluo a pergunta e já ouço a resposta. Ele fala rapidamente e acentua as vogais, características que fazem com que seus colegas divirtam-se arremedando-lhe: “Por quê, Evaldo? Se o jornal precisar de mim, cancelo o médico, não tem problema”. Não me lembro da minha reação, mas certamente devo ter esbravejado e soltado alguns impropérios, como costumava fazer sempre que ele, por profissionalismo exacerbado, punha o trabalho à frente da própria saúde.

Esse foi o nosso último diálogo. E, hoje, lamento profundamente que tenha sido assim. Eu perdi a oportunidade de agradecer a esse sujeito incrível as lições de Jornalismo que me deu ao longo de nossa convivência, que se iniciou em setembro de 2010, quando cheguei ao Diário, e se estreitou depois que os médicos diagnosticaram seu problema cardíaco que acabaria por levá-lo.

Quando ele voltou de uma de suas internações, no ano passado, contei-lhe que eu também passara por uma cirurgia, no mesmo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, para trocar a válvula aórtica. Orladinho ficou impressionado com a minha revelação, pois nunca havíamos tratado do assunto. Falávamos muito de jornal e pouco de nós mesmos, concluímos.

Jornalistas são assim. É da nossa natureza. A partir daquele momento, porém, nunca mais deixei de lhe perguntar sobre como ia a vida. Ele entrava na minha sala cheio de questões profissionais para resolver e, por mais afobado que estivesse, e ele sempre estava, eu lhe lembrava de que o Diário sairia no dia seguinte, acontecesse o que acontecesse: “Então, vamos com calma”. O coração generoso do Orlandinho parou de bater exatamente uma semana depois da nossa derradeira conversa. De manhãzinha. Para não atrasar o fechamento do jornal.

* Evaldo Novelini é diretor de Redação do Diário.

Ele era um profissional na melhor definição da palavra

Quando se escolhe fotografia por ofício, uma das principais características que o profissional tem de ter é um olhar diferenciado. Como usamos no jargão jornalístico, tem de saber ‘tirar leite de pedra’, principalmente em algumas pautas que, nem sempre, saem conforme o esperado. Orlando Filho, que há quase duas décadas acompanhava o dia a dia deste Diário, mostrou que ia além disso. Um apaixonado pela fotografia, não se satisfazia nem com o melhor clique e sempre – quem teve o privilégio de trabalhar com ele sabe – perguntava se estava bom.

Muito mais do que um exímio profissional, Orlando era um baita companheiro. Não se preocupava apenas com o trabalho dele, como também em auxiliar, principalmente, os que entravam na profissão. Eu, que comecei em 1998, o conheci em uma pauta em São Caetano, ele ainda em outro jornal, e tentei ‘segui-lo’. E ele sempre usou disso, quando já tínhamos intimidade, para dizer que neste dia eu “estava perdidinho”. Ainda assim não titubeou em me ajudar.

Não dá para deixar de lembrar que ele passou por grandes coberturas neste jornal. A última foi a da Copa do Mundo no Brasil, que ele somente conseguiu fazer a primeira partida, até por conta da saúde, que já estava debilitada, mas exibiu com orgulho a sua credencial. Ele era tão feliz pelo que fazia que quase deu a vida por uma pauta: infartou durante a cobertura de explosão de uma casa que abrigava fogos de artifício em Santo André, em 2009. Hoje é o nosso coração que dói pela falta que teremos de você. E assim como todos responderam a você ao fim de cada reportagem, sim, o seu trabalho sempre esteve bom. Mais que isso: sempre esteve excelente. Você foi uma pessoa ímpar. Nós, fotógrafos, agradecemos o privilégio de termos dividido a mesma profissão que você. Até um dia.

* Claudinei Plaza é editor assistente da Fotografia

Memórias do amigo de faculdade

Além de deixar por centenas de vezes seu belo trabalho estampado nas páginas dos jornais, Orlando Filho também colecionou registros de engraçadas histórias de bastidores. Em 2013, ele foi um dos personagens do relato carinhoso feito pelo amigo da faculdade, Moacir Assunção, sobre os tempos em que trabalharam juntos na Prefeitura de Guarulhos.

Naquele ano, Assunção relatou ao Portal dos Jornalistas que em uma ocasião esteve com Orlando na cobertura da visita do ex-presidente do Peru Alberto Fujimori, no Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, e que ao correr feliz para pegar o melhor clique do peruano, Orlandinho acabou caindo, ‘desabando, aos pés do mandatório latino de origem japonesa’. E pasmem. Quem deu a mão para que o fotógrafo do Diário se levantar foi o próprio Fujimori.

Outro acontecimento inédito que Moacir Assunção viveu ao lado do amigo - que no texto tinha o pseudônimo de Osvaldo - , foi quando cobriram uma apresentação da Orquestra Sinfônica de Guarulhos. “Osvaldo, certa vez, conseguiu parar uma apresentação da Orquenstra Sinfônica de Guarulhos ao quebrar uma vidraça que estava às suas costas. Assustados, os músicos imediatamente pararam de tocar, diante de toda a população que esperava o show.”   

De volta às olarias II

De repente, formamos um trio: o piloto Leonardo, o repórter Ademir e o repórter-fotográfico Orlando Filho. Seguimos, em busca das últimas olarias do Grande ABC. Ao trio incorporou-se o oleiro Macalé, nosso guia na linha Ribeirão Pires a Rio Grande da Serra. As três ou quatro últimas olarias da região ali estavam, em plena atividade. E foram tão bem documentadas, pelo olhar do Orlando, que se transformaram em página dupla numa edição nobre de domingo.

Orlando foi mais longe. Transformou as fotos em exposição que correu a região.

– Orlando, onde está a exposição?

– Sei lá, por aí...

(Até hoje não sabemos onde foram parar aquelas fotos maravilhosas com a assinatura do Orlando Filho).

Foi a nossa despedida. Até a semana passada ainda brincávamos com o Orlando:

– Precisamos fazer a volta às olarias, Orlando.

– Será que a gente encontra o Macalé?

– O Léo deve saber o destino das últimas olarias.

Ao que o Orlando respondeu:

– Acho melhor você escolher outro fotógrafo. Vou sair de férias. Na volta, talvez...

– Sem essa, Orlando. Olaria é pauta nossa. Só escrevo de novo se for com você.

Orlando Filho, amigo leitor, foi mais que um colega de Redação. Foi um colaborador da página Memória. Ele lembrou o último Dia do Fotógrafo.

– Ademir, você precisa escolher um fotógrafo e homenagear na Memória.

– A escolha está feita, Orlando. Todos os fotógrafos do Diário. Vocês são os escolhidos.

E como juntar todos eles para uma foto?, se existem os plantões, o rodízio, as saídas.

E foi mais uma vez o Orlando quem encontrou a solução: uma charge coletiva, que os companheiros Fernandes e Seri trataram de providenciar. Obra-prima.

Ontem ninguém queria acreditar que o Orlando partira. Ok – sabíamos que a sua saúde inspirava cuidados. As longas internações, os longos tratamentos. E sempre o retorno. Aquele último almoço. Planos traçados por nós, recebidos com reservas por ele, em pleno refeitório do Diário.

– Orlando, precisamos reencontrar o Macalé. Pagar uma cerveja pra ele. Voltar às olarias. De volta às olarias II.

A bondade do Orlando. A sua preocupação permanente com tudo.

– Será que chegamos a tempo para a cobertura? Será que vão abrir a foto? Será que vamos ganhar a manchete? Será?

– Não esquenta, Orlando. Tudo vai dar certo. Tudo se ajeitará.

Colovatti, Reinaldo e Paulão partiram antes. Martinelli, Luciano, Ricardo, Murayama, Pavan, sempre lembrados. Orlando Filho, um memorialista. A lembrança de todos eles, os antigos colegas dos cliques geralmente apressados, afobados, afoitos. A alegria de folhear o livreto com as grandes reportagens fotográficas do Diário entre 1958 e 1983 – 25 anos de fotojornalismo.

Orlando Filho, amigo querido: só com você voltaria a uma olaria. E agora que você partiu, se um dia me deparar com uma olaria perdida, até escreverei sobre ela, mas em sua homenagem. Só porque, tenho certeza, você gostaria que eu cumprisse mais esta pauta.

* Ademir Medici é colunista, Prêmio Esso de Jornalismo e, por 19 anos, foi companheiro de reportagens de Orlando Filho.

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