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Solidariedade e força são marcas do Parque João Ramalho

Bairro carente de Santo André conta com gente que ajuda o próximo e faz a diferença

Vanessa de Oliveira
Do Diário do Grande ABC
07/07/2014 | 22:04
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Denis Maciel/DGABC


Dificuldades financeiras não são obstáculos quando se tem força de vontade para conquistar os objetivos. Isso é o que mostra o povo aguerrido do Parque João Ramalho, bairro da periferia de Santo André.

Givaldo Bernardo da Silva, 52 anos, mais conhecido como Gil, é um dos exemplos encontrados por lá. Ao lado da mulher, Marli Fernandes, 45, fundou, em 2004, o Projeto Garotinho Feliz, instalado em travessa da Avenida Sorocaba. A ONG (Organização Não Governamental) atende crianças de 5 a 13 anos com aulas de reforço escolar, música, inglês, desenho e futebol, além de entretenimento, como sessões de cinema realizadas no espaço. As atividades são realizadas diariamente.

Para participar de tudo isso, ninguém paga nada. Mas há uma condição: ser bom aluno na escola. Para se certificar de que os estudos estão em dia, o fundador da ONG faz vistorias semanais nos cadernos da garotada.

Gil percorreu outros caminhos até chegar onde está hoje, tendo trabalhado em diversas empresas. No entanto, ele destaca que a atuação social sempre lhe deu mais prazer. “Desde os 15 anos, sempre me envolvi com isso. Nos demais trabalhos eu era coadjuvante.”

Certo dia, desempregado, os sogros abriram uma lanchonete na garagem de casa para ajudar o genro. Gil trabalhava no estabelecimento até às 16h e das 17h às 19h ficava com os filhos em um campo de futebol próximo. “Eles chamavam os amiguinhos, que chamavam outros e, quando vi, havia mais de 70 crianças. Então, pensei: por que não fazer um trabalho social com elas?”

Tida a ideia, era preciso organizá-la e, para isso, a esposa lhe deu um conselho. “A regra era a educação. Quem falasse palavrão, desrespeitasse os pais e os amigos e não fosse bem na escola, não participava. Deu certo e assim seguimos”, lembra.

Atualmente, sete professores voluntários atuam nas aulas, ministradas a cerca de 100 alunos. As mães também têm espaço garantido, com oficinas de artesanato. O aprendizado ajuda a complementar a renda familiar com a venda dos produtos confeccionados. O sonho de Gil é ampliar esse atendimento, já que há mais de 300 pessoas esperando por uma oportunidade. No entanto, o desejo esbarra na dificuldade financeira, já que os recursos para manutenção das atividades vêm de eventos beneficentes, além de doações de alguns pais e amigos. “Pago um preço muito alto para levar o projeto adiante, mas não vivo sem isso, sou feliz. O mundo dá para ser recuperado, depende de nós. Acreditamos que uma hora essa velinha no fim do túnel vai se tornar um refletor.”

Projeto forma orquestra com crianças e jovens carentes

“Onde há música não pode haver coisa má”, já dizia o poeta castelhano Miguel de Cervantes. O Projeto Locomotiva, localizado na Avenida André Ramalho, 460, define bem essa frase, ao atender, gratuitamente, 50 crianças e adolescentes carentes com idades entre 7 e18 anos. Eles aprendem violino, viola, violoncelo e contrabaixo e passam a integrar orquestra que faz apresentações quinzenais pela região e Capital. O aprendizado, inclusive, dá estrutura para a formação de professores. Dos quatro que compõem a equipe, dois iniciaram os estudos por lá.

A ideia do trabalho veio da Venezuela, quando o maestro Rogério Schuindt, 35 anos, que trabalhava em uma ONG (Organização Não Governamental) no Capão Redondo, em São Paulo, foi ao país em 2008 conhecer o projeto El Sistema, desenvolvido pelo governo local. “Como sempre morei em Santo André, havia o desejo de fazer algo na cidade. Conversei com alguns amigos que incentivaram o projeto e, em 2009, começamos o trabalho”, lembra Schuindt.

De segunda a sexta-feira, são duas horas de aula por dia, o que, segundo o maestro, traz valorosos ganhos aos alunos. “Duas horas por dia concentradas na música aumenta muito a capacidade de concentração deles e, com isso, começam a ir bem na escola, prestando mais atenção nas aulas e tirando boas notas. A diretora de uma escola comentou que os alunos que antes davam trabalho tiveram melhora no comportamento. Tem também a questão da realização pessoal, pois eles se tornam o orgulho da família por fazerem parte da orquestra”.

A manutenção do trabalho é feita por meio de doações e parcerias. Interessados em participar do projeto podem obter mais informações pelo telefone 4475-9877.

Associação atende crianças e jovens com atividades suplementares

Contribuir para o desenvolvimento psicossocial de crianças e adolescentes com atividades que atendam as necessidades desse público e auxiliem na construção da cidadania. Desde 1971, esse é o objetivo da Associação Lar Menino Jesus, localizado na Rua Piracanjuba, que atende 90 crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos em complemento ao horário escolar. Lá, são desenvolvidas atividades como oficina de leitura, arte, Informática e Educação Física.

Como todo trabalho social, a missão de ajudar ao próximo esbarra nas dificuldades financeiras. A entidade se mantém com doações, recursos oriundos de eventos beneficentes e convênio com a Prefeitura, mas as fontes de renda não dão grande fôlego.

“O custo per capita de cada criança é de R$ 286 e o repasse público é de R$ 95, onerando sobremaneira a entidade”, explica Maria Miele, 76 anos, Diretora de Patrimônio da associação.

Em um bairro carente, onde os pais precisam trabalhar e não têm com quem deixar seus filhos, ela ressalta a importância da instituição na comunidade. “A entidade faz trabalho social de caráter continuado, com a finalidade de fortalecer as famílias do entorno que têm que sair em busca de trabalho para sustento da família, oferecendo a seus filhos um espaço físico com experiências lúdicas, culturais e esportivas como meios de expressão, aprendizagem, sociabilidade e proteção social”.

Artesanato gera renda e apoio social

Na Rua Taguá, 245, criatividade e talento estão por toda a parte. Na loja de dona Maria Pereira Bento, 66 anos, há variedade de roupas e uma infinidade de mimos artesanais feitos por ela.

Pernambucana de Ipubi, ela aprendeu o ofício com a mãe. “Com 14 anos, fazia vestidos na mão para vender, já que não tinha máquina de costura”, lembra.

Mas o trabalho não começou na adolescência. Aos 7 anos, sem o pai, ela ajudava a mãe a cuidar dos irmãos – 13 no total, o que a impossibilitou de frequentar a escola e aprender a ler e a escrever. “Não tive infância”, salienta.

A chegada ao Parque João Ramalho foi aos 23 anos, motivada por uma paixão: um caminhoneiro que conhecera em sua cidade natal, mas morava em Santo André. Com ele, teve três filhos e se separou após duas décadas de relacionamento.

A vida em terras paulistas não foi fácil. Embora trabalhando como empregada doméstica e em fábricas de costura, o dinheiro não era suficiente. Casada novamente e com uma filha adotiva livrada por ela de um aborto, morou por dois anos em um terreno invado no Jardim Alzira Franco. Com a reintegração de posse, ela ficou por seis meses morando em um barraco instalado na quadra de uma igreja. O marido ficou desempregado, começou a beber e acabou morrendo em decorrência do alcoolismo. Maria seguiu firme na costura e artesanato, conseguindo, enfim, alugar uma casa e um espaço para vender seus produtos, além de oferecer aulas para as pessoas da comunidade. Ela cobra uma singela contribuição de R$ 5 para a compra de materiais. No entanto, sendo a região carente, isso nem sempre é possível e, sozinha, Maria não consegue levar a ação adiante. “Não tenho dado aulas ultimamente por falta de recursos. Fico sentida, pois ajudo muita gente com depressão e meninas que, hoje, ficam na rua consumindo drogas.”

Dona Maria sabe que a costura e o artesanato não são só meios de renda, mas também instrumento de satisfação. “Se eu parar de fazer isso, morro.”




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