E o homem se pôs a brigar com o filho na lanchonete lotada.
O garoto, aparentando uns 8 anos, mastigava cada pedaço do seu lanche amargo, e a angústia estampada em seu rosto tornava insosso também o nosso hambúrguer. Choramingava diante da humilhação a que era submetido, e quase afundava na cadeira, talvez para que a plateia não percebesse que o assunto dizia respeito à sua pessoa.
Duas adolescentes, sentadas com a dupla, prováveis irmãs do menino, demonstravam algum desconforto com a exibição de truculência promovida pelo adulto, uma vez que este falava muito alto, desfiando palavrões que reverberavam pelos quatro cantos do recinto.
Não demorou, inclusive, para que uma delas decidisse que era momento de intervir em favor do pequeno, pedindo moderação ao dinossauro. Nada. O sujeito, a princípio, ignorou-a, depois, dirigiu-lhe impropério qualquer que a fez deixar a mesa e seu lanche, sem olhar para os lados. Livre, então, da interferência inoportuna, o indivíduo deu sequência ao longo processo de acusação, destituído, aliás, de um só argumento que justificasse tamanho escândalo em lugar público. E, pelas suas palavras que chegavam a todos os presentes, era possível concluir que passava um pito no filho por alguma atitude de egoísmo extremo. Demonstrava, pois, a mesma indignação do pai que dedica toda uma vida à educação do filho e acaba por descobrir, cheio de amargura, que este se desviara do caminho almejado para entregar-se à marginalidade.
Mas o garoto da lanchonete, que não possuía maldade no olhar, seguia comendo e engolindo toda a aflição a ele impingida. Pretendia, como era possível inferir, dar cabo rapidamente do sanduíche sem gosto que, em situação normal, por certo que adoraria devorar bem devagar. Era possível até que sua pouca idade e seu estado de espírito momentâneo o impedissem de mergulhar numa reflexão mais profunda acerca dos caprichos desta vida, que levam mulheres a conceber filhos cuja inteligência oscila entre o medíocre e o animalesco. Invejava, pois, a ousadia da irmã mais velha que se livrara da agressão barata e do vexame.
E os semblantes à minha volta condenavam a crueldade daquele que decidira ensinar bons modos ao filho logo ali, naquele templo erigido inicialmente à descontração familiar.
A outra jovem nada falava, permanecia de cabeça baixa, sem qualquer apetite.
Eu, mero espectador daquela cena deprimente, dividia com as pessoas ao lado a indignação de ver uma criança à mercê de um ser, cuja sabedoria nenhuma não lhe permitia perceber a que ponto chegava a sua bronca.
Logicamente que é preciso atentar para os motivos paternos de modo a efetuar aqui um julgamento justo da questão. Até porque, via de outro ângulo, e era preciso ser empático para tentar entender a mente abjeta ali presente. E, de fato, constatou-se logo que estava coberto de razão o indivíduo ao humilhar o filho daquela forma. Imagine que o garoto tivera a infeliz ideia de escolher Fanta uva para acompanhar o lanche, quando o pai desejava Coca zero. Tamanho disparate era mesmo imperdoável, passível de condenação em segunda instância. Constatou-se, finalmente, que o barulho tinha origem na desobediência do filho que, estou certo, jamais tornará a beber qualquer refrigerante de uva enquanto viver. Judiação!
E ainda tem gente defendendo a ideia de que criança tem que ser educada em casa, pelos pais, não na escola; de que professor só ensina o jovem a se comportar de forma inadequada por despertar-lhe a consciência de que exercer o direito de escolha é atributo seu.
“Isso é mesmo um ultraje! Até porque, meninos não têm querer! Devem beber o refrigerante que lhe enfiarem guela abaixo, e pronto.”
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