Cultura & Lazer Titulo Centenário
Mostra celebra centenário do pintor Iberê Camargo
02/05/2014 | 10:03
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"Pinto porque a vida dói". Parece não haver maneira de fugir desta afirmativa que o artista Iberê Camargo (1914-1994) usou para falar de sua obra.

Na sala do terceiro andar do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de São Paulo, seis grandes óleos sobre tela realizados pelo pintor no fim de sua vida concentram naquele espaço a expressão mais trágica de sua arte. Nas pinturas da série Tudo te é Falso e Inútil (1992), As Idiotas (1991) e Crepúsculo da Boca do Monte (1991), figuras cujas formas e rostos não as definem como velhas ou mais novas parecem apenas esperar pela morte, já sem suas vestes. A atmosfera azul, lilás, roxa daquelas obras faz remeter, como identifica o curador Luiz Camillo Osório, à capela Rothko em Houston.

Monumentais (com mais de dois metros de comprimento cada uma), as telas são o auge da exposição Um Trágico nos Trópicos, a retrospectiva do artista gaúcho Iberê Camargo a ser inaugurada amanhã no CCBB. A mostra que abre o calendário de comemorações do centenário de nascimento do pintor (exatamente, em 18 de novembro de 1914, em Restinga Seca) apresenta 48 pinturas e cerca de 80 desenhos, gravuras e matrizes do "homem-pintor", expressão de seu conto Hiroshima, já publicado em livro.

Iberê Camargo também soube usar as palavras para expressar o drama, a melancolia, o lado trágico de sua criação. Além de escrever, sempre definiu com clareza, em suas falas, suas motivações. Mas a pintura - de densa matéria (muita tinta), em que os elementos nunca se soltam por ser tão coesa, afirma Luiz Camillo Osório, curador da exposição -, é a essência de sua produção artística. "Teve um sacerdócio de Iberê com a pintura, com o ofício plástico, uma fala sempre muito de dentro do fazer e que desdobra o conhecimento técnico para as questões metafísicas que perpassam sua obra", afirma o crítico. "Da mão", Osório completa, sai toda a "respiração espiritual" que o trabalho do artista carrega.

Sombrio

Não se trata de uma retrospectiva didática, porque já de princípio a exposição não tem nem mesmo um percurso cronológico. Diz o curador, baseado em citações filosóficas, que a cultura brasileira "rasura, nega" a dimensão trágica da vida - Iberê Camargo, o gravador Oswaldo Goeldi e, na face contemporânea, o artista Nuno Ramos formariam o tripé de "exceção", ou seja, seriam criadores que trazem o sombrio existencial para a obra plástica (e o escritor Graciliano Ramos, opina o curador, no campo da literatura nacional). A "afirmação do trágico" é, assim, o mote que Osório tomou para conceber a exposição que, por ora, só será exibida em São Paulo. "Anoiteceu dentro de mim", disse o artista em uma entrevista inédita concedida ao pintor Jorge Guinle e reproduzida no catálogo (que, aliás, traz também falas de Iberê à escritora Clarice Lispector e outros).

Em pequena sala do quarto andar do CCBB está uma espécie de "microuniverso de Iberê". É uma visada geral e concisa pela trajetória do pintor, começando por duas pequenas pinturas de paisagem, Jaguari (1941) e Dentro do Mato (1941-42) - raridades pelo protagonismo do verde. Passa-se, ainda, pela obra natureza-morta com Garrafas (1957) (sombria, com formas negras ao fundo), já em diálogo com a série dos carretéis, das mais emblemáticas de sua carreira, realizada no fim da década de 1950 e início dos anos 60, é representada por um trabalho. Há também uma grande tela de 1965 que indica o período abstrato de Iberê e peças apresentando sua volta, aos poucos, à figuração - até chegar às figuras dos ciclistas e dos homens e mulheres solitários, fantasmagóricos.

"A ideia é justamente pegar esse elemento mais pictórico para mostrar, seja indo para a abstração, seja para figuração, como a articulação da tinta, cor, gesto e matéria se mantém ao longo do trabalho dele", afirma Camillo Osório. Só nesta sala acontece uma exibição explícita de passagem ou percurso na obra de Iberê Camargo. Nos outros segmentos, as obras reúnem-se por conjuntos expressivos de sua carreira.

Por uma opção curatorial, a série dos carretéis, "ponto de partida da minha fase considerada abstrata", afirmou o pintor em carta de 1979 a Pierre Courthion e na qual ele traz para sua obra a forma do objeto que era um brinquedo em sua infância, "foi sacrificada". Falta de espaço para exibir tudo o que se tinha vontade a partir de uma produção tão ampla (calcula-se que Iberê tenha criado mais de 7 mil trabalhos).

Além da já citada apresentação de conjunto denso de pinturas do fim da trajetória do gaúcho, estão em outra sala, no segundo andar, criações dos anos 60, 70 e 80 dando destaque para a abstração no trabalho do pintor. O escurecimento da pintura chega ao auge com as Fiadas de Carretéis e depois a cor vai explodindo (com destaque para o vermelho) em telas diversas. Para o curador, há uma "vibração" na pintura do artista que a torna, até mesmo, "sensorialmente otimista".

"Eu não abandonei a figura, apenas a transformei", afirmou Iberê a Clarice Lispector em 1971. Há quem considere que ele tenha voltado a ser figurativo depois do trágico episódio do assassinato de um homem em 1980, no Rio de Janeiro, durante uma briga de rua (o pintor foi absolvido por legítima defesa). Mas isso não importa. O fato é que mais outras celebrações de sua obra virão, culminando com a homenagem maior em Porto Alegre, com a abertura, em novembro, de mostra na casa do artista, a Fundação Iberê Camargo.




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