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Regras da carreira tiram militares da reforma da Previdência

Especialistas explicam que profissionais não se aposentam, contribuem só para pensão

Caio Prates
Do Portal Previdência Total
28/02/2017 | 18:37
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Entre todas as polêmicas em torno do anúncio da proposta de alteração do sistema previdenciário brasileiro, a exclusão dos integrantes das Forças Armadas é uma das que mais geram discussão. A questão, no entanto, deverá ser colocada em estudo pelos parlamentares. O secretário da Previdência, Marcelo Caetano, afirmou que a mudança no regime previdenciário dos militares será realizada posteriormente, por meio de projeto de lei específico que contemple as especificidades da carreira.

Em entrevista exclusiva ao Diário há pouco menos de um mês, Caetano disse que a inclusão depende de decisões políticas e pontuou que, por mais técnica que seja a reforma, é preciso juntar elementos técnicos e políticos, o que envolve decisões de natureza superior. No entanto, ele não detalhou se haverá mudança para a categoria, como colocação de idade mínima.

Especialistas em Direito Previdenciário acreditam que, apesar da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 287/16 para os trabalhadores privados, rurais e servidores públicos precisar de ajustes, a decisão de não incluir os militares neste primeiro momento foi correta, pois a carreira tem particularidades que são incompatíveis com os regimes englobados na reforma.

A advogada especialista em Direito Militar Maria Regina de Sousa Januário, da Advocacia Januário, explicou que a principal característica é que, ao contrário do que ocorre com o trabalhador civil, o militar não se aposenta. “Ao completar 30 anos de efetivo serviço militar, ele é transferido para a reserva remunerada podendo ser, inclusive, novamente convocado para o trabalho.”

Os militares das Forças Armadas, constituídas pela Marinha, Exército e Aeronáutica, têm regime próprio de Previdência Social, previsto no artigo 142, parágrafo 3º, inciso 10, da Constituição Federal.

De acordo com a advogada, os militares das Forças Armadas “não têm previdência, pois são custeados pelo Tesouro Nacional. E esses profissionais, mesmo na reserva, contribuem para a pensão militar que é destinada aos seus dependentes legais”.

O professor e doutor em Direito pela USP Gustavo Filipe Barbosa Garcia informou que os militares das Forças Armadas na inatividade englobam os da reserva remunerada e os reformados. “Os da reserva remunerada, quando pertencem à reserva das Forças Armadas e têm remuneração da União, estão sujeitos, ainda, à prestação de serviço na ativa, mediante convocação ou mobilização”, disse.

Já os reformados, segundo o professor, são aqueles que estão dispensados definitivamente da prestação de serviço na ativa, mas continuam a perceber remuneração do governo. “Quanto aos militares dos Estados e do Distrito Federal, ou seja, no caso dos integrantes das polícias militares e corpos de bombeiros militares, cabe a cada lei estadual específica dispor sobre os respectivos regimes próprios de Previdência Social”, afirmou.

PENSÃO - O professor e autor de obras de Direito Previdenciário Wladimir Novaes Martinez ressalta que a Lei 3.765/1960 é a norma orgânica da pensão dos militares. “Ao longo dos 56 anos de sua edição, a lei sofreu poucas alterações. Os militares – homens e mulheres – aos 30 anos de serviço são reformados, isto é, de certa forma mantêm vínculo jurídico e fático com as Forças Armadas.”

De acordo com estudos do Ministério da Defesa, o militar contribui, em média, por 62 anos para a pensão militar. Pelas regras atuais, os militares têm contribuição mensal de 7,5% de suas remunerações. Este valor não é utilizado para custear uma aposentadoria, mas as pensões às quais os familiares têm direito em caso de morte.

A especialista em Direito Militar explica que existe uma ordem de concessão do benefício. “Primeiramente, este direito se transmite ao cônjuge, e seguindo esta ordem temos o companheiro ou companheira designada ou que comprove união estável como entidade familiar; pessoa desquitada, separada judicialmente, divorciada do instituidor ou a ex-convivente, desde que percebam pensão alimentícia. Na sequência desta linha estão os filhos ou enteados de até 21 anos de idade ou até 24 anos de idade, se estudantes universitários ou, se inválidos, enquanto durar a invalidez; e menor sob guarda ou tutela até 21 anos de idade ou, se estudante universitário, até 24 anos de idade ou, se inválido, enquanto durar a invalidez.”


Categoria é privada de hora extra, folga semanal e FGTS

Na visão do advogado João Badari, do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, uma possível reforma na Previdência prejudicaria os militares. “Acredito que os militares serão prejudicados. Entretanto, seguindo a linha de pensamento do governo federal na reforma para os trabalhadores urbanos, rurais e funcionários públicos, a principal mudança a ser realizada seria na criação da idade mínima para ir à reserva. Além disso, deveria ser estabelecida nova regra sobre acumulação de benefícios, pois o principal argumento da União em relação aos benefícios dos militares está no aumento da expectativa de vida e as pensões pagas”, apontou.

Badari reforçou, porém, que “o governo deve respeitar as peculiaridades de suas funções, pois os militares, além do risco de morte, não possuem diversos direitos trabalhistas”.

Segundo Maria Regina de Sousa Januário, especialista em Direito Militar, a profissão militar tem características próprias com relação aos direitos trabalhistas, como, por exemplo, não fazem jus à remuneração do trabalho noturno superior ao do trabalho diurno; estão disponíveis 24 horas por dia – dedicação exclusiva –, isto é, trabalham muito mais que a média dos trabalhadores da iniciativa privada e servidores civis; não têm direito a repouso semanal remunerado; não recebem adicional de periculosidade e hora extra; não recolhem FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço); não podem participar de atividades políticas nem se sindicalizar.

Maria Regina revelou que, em razão desse regime de dedicação exclusiva, de acordo com estudos realizados pelo Ministério da Defesa, os 30 anos de efetivo serviço militar que é a condição necessária para o militar ser transferido para a reserva remunerada, correspondem, na verdade, a 44 anos de serviço. “Assim, os militares trabalham muito mais do que os trabalhadores da iniciativa privada e servidores públicos civis.”

A advogada também ressalta que os militares estão sujeitos a grande mobilidade geográfica, as chamadas transferências por necessidade do serviço. “Essa característica impõe sacrifícios não só ao militar, mas para toda a família, já que a mudança constante de cidade dificulta a construção de patrimônio para a família, prejudica a educação dos filhos e impõe restrições ao cônjuge para que exerça atividade remunerada”, avaliou. “Em razão dessas particularidades é que não se deve impor aos militares das Forças Armadas a mesma regra seguida pelos trabalhadores da iniciativa privada. E qualquer mudança que se pensa em fazer deve ser precedida de estudo aprofundado para não impor ainda mais sacrifícios aos militares, que atualmente são muito mal remunerados, percebendo soldos bem inferiores aos das polícias militares de alguns Estados, por exemplo, da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais e do Distrito Federal.”


Falta compreensão sobre desgaste da rotina de trabalho

A questão da proteção social dos militares brasileiros não tem sido bem compreendida pela população, segundo Fábio Zambitte Ibrahim, coordenador do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário). “O militar, tendo em vista o encargo de defender o território nacional e seu povo, seja em tempos de guerra ou paz, exige, para seu fiel cumprimento, parâmetros rigorosos de integridade física e mental. Como é a praxe no mundo, os militares, até pelo elevado desgaste de suas atividades ao longo de suas vidas profissionais, sem qualquer limitação de jornada e outras salvaguardas dos trabalhadores civis, acabam por usufruir de uma inatividade remunerada particular.”

Em outubro de 2016, um militar da reserva recebia em média R$ 9.522 anuais, enquanto que os pensionistas, R$ 8.116, de acordo com dados do Ministério do Planejamento. Um militar da ativa, por sua vez, recebia, na média anual, R$ 4.264. A diferença é explicada pelo fato de o contingente em atividade ser maior e incluir patentes mais baixas. Para efeitos de comparação, o benefício médio pago hoje para os aposentados do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) é de R$ 1.862.

Segundo o ministro da Defesa, Raul Jungmann, projeto de lei complementar com mudanças nas regras previdenciárias para os militares já está em discussão. Ainda de acordo com o ministro, todas as regras poderiam ser negociadas, inclusive aumento da contribuição e do tempo de serviço.

Segundo Jungmann, o INSS arca somente com as pensões pagas a dependentes dos militares. Para ele, o deficit real é de R$ 13,8 bilhões. Já os salários dos inativos e reservistas, conforme o ministro, são pagos pelo próprio Ministério da Defesa. 




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