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Pedreiro troca colher pelo
piano nas horas de folga
Por Willian Novaes
Do Diário do Grande ABC
25/12/2010 | 07:04
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Hoje é Natal. Mas o presente do mineiro de Ponte Nova Sebastião Vitalino Alves, 41 anos, chegou adiantado neste ano. Não foi uma casa ou um carro novo. O pedreiro, mais conhecido como Tião, ganhou a chance de exibir o seu talento. Ele estreou sob olhares de centenas de funcionários no evento Canto e Encantos, da Secretaria Municipal de Educação de São Bernardo, mesmo que tardiamente, como pianista.

Autodidata e curioso, como se define, Tião, na quarta-feira, era apenas sorrisos no auditório do Cenforpe (Centro de Formação dos Profissionais da Educação), atitude usada para disfarçar o nervosismo.

Ele trocou o uniforme de pedreiro por uma roupa social alinhada, com sapatos pretos devidamente engraxados. "Faço apenas um barulhinho bom", conta Tião, na sua extrema simplicidade.

HORA DE ALMOÇO
A saga como pianista começou há quatro anos. Foi quando o músico de horas vagas descobriu um piano, guardado entre móveis e objetos, no prédio da Secretaria de Educação de São Bernardo, no bairro Nova Petrópolis, onde presta serviço há dez anos.

"Estava empoeirado, fui lá na hora do almoço, peguei um pano e deixei limpinho. No começo as pessoas falavam para eu tomar cuidado e não quebrar o instrumento", relembra, agora rindo. "Era chato ouvir isso, mas graças a Deus passou, e hoje é ao contrário. Eles me pedem para tocar".

As primeiras notas começaram, sem autorização da supervisão, na hora do almoço. Mesmo sem nunca ter estudado, sendo apenas um apaixonado por música, o funcionário público começou a tirar as músicas de ‘ouvido'.

"Sempre gostei de música clássica, mas nunca tive a oportunidade de estudar. Ouço e tento reproduzir ao piano".

Esta técnica improvisada funciona apenas para quem tem o dom. Obviamente, Tião o tem e conta com um repertório de dez músicas, com compasso e suingue brasileiros. Entre as prediletas para tocar após comer a marmita preparada pela mulher está Eu Sei Que Vou Te Amar e My Way. Ah, foram com essas que ele estreou sob aplausos e reconhecimento público.

Ligação com a música vem desde a infância

Filho de mãe e pai analfabetos, com 13 irmãos, Sebastião Vitalino Alves viveu em uma casa sem energia elétrica, mas com vários instrumentos musicais e muito forró e samba em Ponte Nova, na região da Zona da Mata mineira.

Nos fins de semana da sua infância, a sua mãe levava toda a prole para o baile. Tião conta que ainda criança ficava na frente do sanfoneiro e não tirava os olhos dele. "Era impressionante a minha fascinação pelo som do acordeon".

Além do piano, o pedreiro toca violão e cavaquinho, além de ouvir música clássica durante a jornada de trabalho.

Ele não usa mais o velho radinho para acompanhar nos reparos que precisava realizar em escolas ou prédios da Secretaria Municipal de Educação de São Bernardo. O celular faz esse papel.

PRIMEIRO COLOCADO
O funcionário público foi o primeiro colocado no concurso que prestou em 1992 para a vaga de pedreiro e concluiu o Ensino Médio.

"Na hora que vi o resultado, comecei a pular no Paço Municipal. Sempre gostei de estudar, mas mamãe era a nossa grande incentivadora. A gente usava carvão para aprender a escrever, não tínhamos dinheiro para comprar lápis", conta, emocionado.

Tião construiu a sua casa no Parque Selecta, em São Bernardo, e mantém outro prazer, a literatura. O seu vocabulário é rico e ele agora pretende se aperfeiçoar no piano. "Quero aprender a tocar melhor, o que faço é apenas um barulhinho. Mas preciso de uma oportunidade", fala, com a humildade que poucos têm.




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