Aos olhos de Heitor o super-herói mais importante, forte e belo é, sem dúvida, o Homem-Aranha. Claro que sua mente muito jovem já desconfia da existência de outros, uma infinidade deles, uma mistura de tipos diferentes, que não entende muito bem, mas que configuram presenças marcantes em seus devaneios.

É a TV que os apresenta, por isso devem ser reais como tudo o que ela apresenta! Sem contar os flashes de imagens captados aqui e ali que confirmam a existência de heróis de todos os tipos, tamanhos e cores. Sempre muito fortes! É assim que os olhos de Heitor, pouco habituados às coisas do mundo, conseguem enxergar esta parte tão verdadeira da vida. Bonito ou feio, bandido ou mocinho, todos são personagens que embalam seus sonhos de menino, afinal. Sonhos que só começa a sonhar.

Talvez até nem tivesse reparado antes no seu guerreiro predileto, dentre tantos. É possível até que nunca tenha admirado sobremaneira o sujeito que atira teia para todos os lados. Mas a partir do momento em que fora presenteado com um exemplar dele, Heitor passou a amá-lo muito mais do que aos demais, perplexo com a força de seus músculos de plástico que necessitam do apoio da poderosa mão dele, menino, para voar e dar piruetas necessárias a fim de derrotar o inimigo. É como se fizessem parte um do outro, tamanha a comunhão entre os dois. Assim devem ser os super-heróis e seus donos. Até porque, jamais lhe explicaram a origem deles e para que servem, detalhes, diga se passagem, pouco importantes quando imita com a boca o barulho da teia saindo para apanhar o feio e cruel vilão que ameaça a sociedade. Simula suas lutas, tal qual se habituara a ver na telinha, cuidando para que sempre vença e nunca venha a correr risco algum.

Entretanto, a despeito de toda a sua proteção, um sinistro de proporções catastróficas veio a abalar o seu prestígio de amigo de herói. No dia em que todos comemoravam o aniversário do vovô no restaurante predileto, é que Heitor cometeu um deslize que quase botou a nocaute o insuperável homem-aranha. Este que cuidava da integridade física de todos que ali gritavam vivas, brindavam e conversavam, empreendia voos pelos céus e arranha-céus do lugar, até que numa investida contra um perigoso marginal, nosso herói veio a perder a cabeça, subitamente desprendida de seu corpo por um golpe certeiro. Esta, para o terror dos os presentes e, sobretudo, de Heitor, foi parar no ralo. É... Aquele buraco colocado no chão só para apanhar heróis distraídos, e que poucas pessoas se dão ao trabalho de notar, estava lá para engolir a cabeça do magnífico homem.

O menino se desesperou diante da constatação de que foram vãos seus esforços para proteger o amigo, e que agora simplesmente não sabia o que fazer. Entrou em pânico e botou a boca no trombone, fazendo uso daquilo que a meninada tem como aparato para auxiliar super-heróis em dificuldade: abriu um berreiro danado com o intuito de convocar reforços para a dura empreitada que tinha pela frente. Então, pai afoito, mãe preocupada e tia dedicada, todos consternados, entraram em ação para dar cabo do sofrimento impingido aos dois heróis. Muita batalha se travou até que, com a ajuda de objetos exclusivamente concebidos para o salvamento de super-heróis metidos em recintos asquerosos, conseguiram livrar o homem-aranha de fim tão constrangedor.

Sua cabeça lavada e recolocada, então, logo tratou de esquecer o sufoco pelo qual passara, e o sorriso voltou a iluminar os céus daquela cidade.

* Rodolfo de Souza nasceu e mora em Santo André. É professor e autor do blog cafeecronicas.wordpress.com

E-mail para esta coluna: souza.rodolfo@hotmail.com.