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Um castelo e suas histórias

Construção de 1907 teria servido para planejar a Revolução de 32 e moradia de princesa da Rússia

Wilson Moço
Do Diário do Grande ABC
19/11/2017 | 07:41
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André Henriques/DGABC


Fundada em 1553 por portugueses e indígenas liderados por Martim Afonso de Sousa e João Ramalho, a vila de Santo André da Borda do Campo foi o berço da ocupação de todo o planalto paulista. Daqui os bandeirantes partiram para desbravar o Interior. Passados 464 anos, aquela vila se transformou no Grande ABC de 2,7 milhões de moradores, região que se espalha por 825 km², que desde sempre guardam histórias e escondem segredos que poucos conhecem. Quando contadas ou revelados, não se sabe se de fato são reais ou apenas lendas. Em qual dos dois se encaixa o que se ouve sobre o Castelo Jandaia, mais conhecido como Castelinho, localizado na região do Grande Alvarenga, em São Bernardo?

Construído em 1907 em área então isolada, é praticamente desconhecido, assim como a história de que abrigou por um ano a princesa Anastácia, da Rússia. Também não se sabe ao certo por que ali está um canhão apontado para a Represa Billings. Tem quem fale que é apenas enfeite, mas tem quem diga que era realmente para proteção. “Acredito que só tinha função decorativa. Se bem que não descarto que estivesse lá para proteção, como algumas pessoas já comentaram”, diz o médico veterinário Rainer Wilhem Knoop, 83 anos. Ele e a mulher, Marta, são donos do sítio Kosmos, área comprada em 1934 pelo pai e vizinha ao Castelinho, onde ela foi a muitas festas desde os 3 anos – tem 73.

A hipótese de que o canhão tenha sido instalado em ponto estratégico da propriedade de aproximadamente 35 mil m² não pode mesmo ser descartada. Afinal, diz-se que o imponente castelo de 7.000 m², erguido por Frederico de Souza Queiroz, além de ter recebido importantes personalidades da política, como o presidente Getúlio Vargas e o governador Adhemar de Barros, foi palco de reuniões para discutir e planejar a Revolução Constitucionalista de 1932.
Também teria servido de base para a campanha Ouro Para o Bem de São Paulo, destinada a levantar recursos para financiar o movimento de insurreição dos paulistas que exigia do governo provisório a convocação de Assembleia Constituinte, prometida por Vargas em sua campanha pela Aliança Liberal e na Revolução de 1930. “Comenta-se que a Revolução de 1932 foi amplamente discutida e planejada no Castelo Jandaia, e parte do Ouro Para o Bem de São Paulo (campanha), arrecadada durante a revolução, esteve ali depositada, sob forte guarnição de militares”, escreveu em documento Nelson Chade (já morto), que comprou o sítio em 1978.

O Castelinho pode até não ter sido usado como base da Revolução de 1932, mas é fato que na parede do corredor do térreo existe um cartaz sobre a campanha, o brasão de São Paulo com capacetes dos constitucionalistas no entorno e a primeira página do jornal O Estado de S.Paulo, de agosto de 1932, que trazia em manchete que foram arrecadados 9 quilos de ouro para ajudar a sustentar a ação dos paulistas e os nomes de famílias que fizeram doações, que incluíam alianças, anéis, brincos e correntes de ouro cravejadas de diamantes. Tem também pequenos quadros com fotos de Getúlio Vargas, Adhemar de Barros e Washington Luís, que governou o Brasil de 1926 a 1930 e foi o último presidente da República Velha, deposto exatamente pela Revolução de 1930. Bem provável que tenha se refugiado ou visitado o imóvel, projetado em Londres por renomado arquiteto da época. Lendas ou verdades?

A princesa e o castelo

Festas com personalidades da política, barões do café, aristocratas da alta sociedade paulistana, artistas, monarcas estrangeiros, além de refúgio para presidente e governador do Estado e palco de reuniões políticas e militares, fazem parte da história do Castelo Jandaia, construção erguida em 1907 no que é hoje o Parque Jandaia, localizado na Estrada dos Alvarenga, já divisa de São Bernardo com Diadema. Mas não há a menor dúvida de que a mais intrigante e ainda misteriosa é a que conta sobre a passagem daquela que se dizia ser a princesa russa Anastácia, nascida Anastásia Romanov em 18 de junho de 1901, filha do czar Nicolau II e Alexandra Feodorova, que ali morou durante cerca de um ano.

Não há uma data precisa, mas o pouco que se sabe dá conta de que ela teria sido hóspede da família Souza Queiroz no Castelinho no período da Segunda Guerra Mundial, e que dali foi para os Estados Unidos, onde morreu. “Segundo contavam os que a conheceram, ela dizia que tinha fugido para a Alemanha logo depois de o pai, a mãe e irmãos (quatro) terem sido mortos, fuzilados em casa, pelos revolucionários comunistas (em julho de 1918). Dizia ela que tinha escapado, se escondeu e depois conseguiu fugir para a Alemanha, pois o imperador Guilherme II era primo do seu pai e lhe deu guarida”, conta Rainer Wilhem Knoop, 83 anos, que junto com a mulher, Marta, 76, luta para preservar a natureza do sítio Kosmos, vizinho do Jandaia, onde fica o Castelinho (veja mais abaixo).

Aliás, Marta conta que o pai, Carlos Zimermman, levou anos para reflorestar toda a área do sítio que adquriu em 1934, de 50 mil m², porque ali encontrou praticamente um descampado, resultado do trabalho para a construção da Represa Billings. Mas, enfim, é preciso saber mais sobre a história da princesa Anastácia. E seo Rainer, com uma memória de fazer inveja, conta o desfecho da trajetória da moça que teria escapado da morte na Rússia.
“Consta que logo após sua morte, nos Estados Unidos, o corpo deveria ser levado para a Rússia, porque se tratava da princesa Anastácia. Mas os russos informaram que ela de fato tinha morrido junto com a família. Fizeram então o exame de DNA e descobriu-se que não era Anastácia, mas uma princesa polonesa.” Lenda ou verdade? Não se sabe ao certo, até porque a história da princesa Anastácia ainda é um mistério e assim deverá permanecer.

Afinal, os restos mortais de duas das crianças da família só foram descobertos em junho de 2007 na floresta de Ecaterimburgo. Feitos os exames de DNA, primeiramente com amostras da czarina Alexandra e depois com do czar Nicolau II, ficou comprovado que se tratavam do menino Alexei e de Anastácia. Ainda assim, há quem acredite que ela de fato escapou da morte e levou uma vida normal longe da Rússia. Se assim foi, tem tudo a ver com alguns dos significados de seu nome: ''''''''aquela que se liberta das correntes'''''''', ‘aquela que se reerguerá’, ou ‘aquela que renascerá’. Enquanto o Castelo Jandaia existir, por ali se contará a história de que a princesa russa Anastácia foi uma das mais ilustres hóspedes.

Ruas e avenidas da Capital levam nomes da família Souza Queiroz

Frederico de Souza Queiroz, o homem responsável pela construção do Castelo Jandaia, fazia parte de uma das mais tradicionais famílias de São Paulo, entre os quais se destacam o brigadeiro Luiz Antônio de Souza), que dá nome à Rua Brigadeiro Luiz Antônio, e Vicente de Souza Queiroz, que recebeu o título de Barão de Limeira de dom Pedro I e virou nome de rua nos Campos Elíseos, a Alameda Barão de Limeira.

Na verdade, outras ruas e avenidas de São Paulo foram batizadas com o nome de alguns dos mais de 3.500 descendentes do Barão Souza Queiroz, casos da Avenida Angélica, Francisca Miquelina, Antonia de Queiroz, Senador Queiroz, Nicolau de Souza Queiroz e Largo Ana Rosa. Além de dar nomes a importantes vias da Capital, os Souza Queiroz foram responsáveis pela abertura de outras, caso da Avenida São Luiz. Quem conta é Luiz Roberto, por e-mail, bisneto de Frederico de Souza Queiroz.

“A casa dele era no Centro, na esquina da Consolação com a Avenida São Luiz, via aberta por ele e pelos irmaõs na chácara que pertenceu ao seu avô, o brigadeiro Luiz Antônio. A casa ficava onde hoje é o edifício Zarvos. Antes disso, ele morava na casa da baronesa de Souza Queiroz, que ficava onde está a Biblioteca Mário de Andrade. Era a sede da chácara, onde depois foi aberta a Avenida São Luiz. Com a morte da baronesa, sua mãe, Foi nessa casa que foram abrigados os primeiros alunos do Instituto Dona Ana rosa, criado pelo pai de Frederico e que ainda existe.”

Adriana Queiroz, que está em viagem fora do Brasil, respondeu por e-mail e deu importante dica para quem quiser saber mais sobre a família: “No nosso site do Insituto Dona Ana Rosa tem um livro onde fala sobre os patriarcas da família e que traz a árvore genealógica. Acho que as pessoas vão gostar de ler.”

Casal luta para preservar a natureza

O Parque Jandaia foi formado onde originalmente existiam três sítios que pertenciam a famílias tradicionais da Capital, que ali buscavam refúgio aos fins de semana e feriado. O Jandaia (dos Souza Queiroz), o Jardim Primavera (dos Muller Carioba, que eram donos da área onde hoje é o bairro do Morumbi) e o Kosmos (de Carlos Zimermman). Os dois primeiros foram loteados, mas Zimermman se negou a seguir o conselho dos amigos porque assumiu como missão preservar o meio ambiente e proteger as ínumeras plantas, muitas nativas da Mata Atlântica, que levou anos para ver crescer.

Certamente, iria sofrer ao ver que todo o trabalho que teve para reflorestar praticamente toda a área de 50 mil m² – era um descampado quando a adquiriu, em 1934 – iria desaparecer para dar lugar a dezenas de casas. “Papai preferiu gastar para manter esse lugar que ele fez renascer a ganhar dinheiro. Isso aqui é um paraíso que ele construiu com as próprias mãos. Já foi muito melhor, mas depois que a represa ficou poluída perdeu um pouco do encanto”, comenta dona Marta, filha de Carlos Zimermman e mulher de Rainer Wilhen Knoop.
Mas nem mesmo as mudanças ocorridas ao longo do tempo e problemas com parte dos vizinhos, e que às vezes podem desanimar, fazem o casal sequer pensar em transformar a área em residencial. Respeito à natureza e ao desejo do pai, de manter o sítio Kosmos do jeito que ele deixou, são as forças que movem Marta e Rainer. Apesar das dificuldades, buscam meios para levantar os recursos necessários à manutenção do sítio. “Tem sido difícil, porque é muito caro, mas vamos em frente.”

Aposentados e moradores da Capital – vão ao sítio basicamente aos fins de semana e feriados –, contam com a ajuda de Abdias Severino da Silva, espécie de faz-tudo por ali e que, quando criança, brincava com o casal de filhos dos donos. “Somos amigos. Estou por aqui há 41 anos e não gosto nem de pensar em ver o sítio loteado.”
Como o sítio é bem estruturado, com alojamento, salão de festas, parquinho, piscina e churrasqueira, entre outros itens, o casal viu no aluguel para eventos um meio para levantar recursos. Ainda não dá para cobrir os custos, mas ajuda. “Como temos vizinhos, não permitimos que usem som muito alto nem que façam algazarra”, explica dona Marta. Ela lamenta, porém, que portaria instalada logo na entrada do Parque Jandaia afugente visitantes que poderiam ajudar a reforçar o caixa.

Dispostos a facilitar a vida de moradores do Jardim Primavera, que precisam cruzar as terras do sítio Kosmos para chegar ao bairro, o casal cedeu parte da área para a construção da Rua Antônio Di Favari. Talvez boa parte das pessoas dali não saiba disso. Se soubessem, provavelmente Marta e Rainer recebessem apoio irrestrito para manter aberto o Restaurante Picanha na Pedra, mais uma ferramenta que encontraram para ajudar na manutenção e preservação de uma área verde que foi construída pelo esforço de um homem.




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