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Quinta-Feira, 18 de Abril de 2024

Conversa para boi dormir
Por Rodolfo de Souza
12/04/2018 | 07:00
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 Escrevi, outro dia, algumas linhas sobre a época em que se assistia aos programas de televisão na casa de alguém que dispunha de tão precioso aparelho. Fascinante!

Contudo, assim como a velha TV, o fascínio ficou para trás. Talvez porque eu tenha crescido e a programação, permanecido, tal como era ou até pior, é que acabou definhando o prestígio que eu tinha por tão estupendo avanço tecnológico, fundamental na vida de algumas pessoas. Logicamente que é escolha da massa assistir à novelinha, ao futebol, ao programinha de auditório e ao jornalzinho tacanha que publica matérias que visam unicamente voltar o olhar do povo para o que é conveniente que enxergue: basicamente nada.

Mesmo assim, contrariando meu bom-senso, permaneci, dia destes, frente à TV, porque tenho uma, e porque tinha curiosidade de saber acerca da decisão que os ministros da Suprema Corte do meu País tomariam para definir o destino de um homem que esteve no comando da Nação por dois mandatos. Um presidente que fora escolhido pelo povo, duas vezes.

Confesso que atraiu-me também o discurso um tanto pitoresco de cada um deles. Delicioso cardápio para o prato do cronista, este blá-blá-blá carregado de erudição! Apesar de que não pensava nisso ao ver nas mãos dos magistrados o curso da história, e notar que suas belíssimas togas, volta e meia desalinhadas, sofriam com a pressão que vinha do poder que não consegue botar a cabeça no travesseiro por causa do medo que a volta dele suscita. “É preciso detê-lo a qualquer custo” – ecoa, obstinada, a palavra de ordem pelos corredores dos palácios.

Há no seio da população grande parcela que também se apavora diante da possibilidade de seu retorno. Por isso, torcem para que as forças ocultas consigam derrotá-lo. Trata-se de uma gente que nem desconfia da realidade em que está mergulhada esta Nação, e segue aplaudindo quem pretende manter o País no submundo terceiromundista. Talvez o exclusivo e confortável interior do seu carro de vidros pretos lhe dificulte enxergar a miséria que, no semáforo, implora uma moeda. São olhos míopes que concebem a existência de dois Brasis dentro de um só.

E os juízes, por fim, decidiram o rumo que deveria tomar a causa. Claro que a vitória foi apertada: um gol aos 47 do segundo tempo definiu a partida que durou mais de dez horas, uma vez que cada um se lançou em longo discurso antes do voto, como se fosse necessário justificá-lo. Mesmo porque, a retórica vinha toda ela construída num dialeto de pouco ou nenhum entendimento. Um juiz falava, falava e ao fim, bem no fim, não se sabia ao certo de qual lado estava. Usou-se ali muitos jargões do tipo “trânsito em julgado”, em que não é mais possível recorrer, além dos termos em latim que tornaram a coisa ainda mais complicada e enfadonha.

Cheguei mesmo a rir com o estranhíssimo ‘fumus boni iuris’ para designar a situação em que há indícios de que a pessoa tem direito ao que está pedindo. E desacreditei ao ouvir o não menos estranho ‘erga onmes’, cujo significado li depois na internet. Qualquer coisa do tipo contra todos ou frente a todos.

Todavia, amigo leitor, é difícil não se deixar seduzir por tal linguajar alguém que ama a palavra, sobretudo aquela pronunciada em latim que deu origem ao nosso português que bem poderia ter sido usado ali naquele tribunal.

Impressionou-me, inclusive, o ‘obiter dictum’ que se traduz por coisa dispensável dentro de um julgamento. Como pode, aliás, ser absolutamente prescindível algo com nome tão garboso?

Dispêndio de horário televisivo é o que me pareceu todo aquele circo.

Ficou claro que não passou de pura embromação.




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