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O Azarão

Há 35 anos, PT elegia Gilson Menezes, o primeiro prefeito da história do partido; vitória surpreendeu

Júnior Carvalho
Do Diário do Grande ABC
19/11/2017 | 07:46
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“Pela primeira vez um metalúrgico na Prefeitura. Agora o povo irá governar. Ele não vai esquecer dos amigos. Ganhamos sem churrasco”, comemorava um dos populares que acompanhava atônito a apuração dos votos em Diadema no Centro Okinawa, região central da cidade.

O ano era 1982. Sob o governo militar, a eleição daquele ano, que também elegeu governadores, deputados e senadores, levava o Brasil para o caminho da redemocratização. Por conta das regras confusas daquele pleito, que permitia aos partidos lançarem vários candidatos para um mesmo cargo por meio da chamada sublegenda, ninguém poderia prever que o PT sairia vitorioso em Diadema, justamente o partido, então recém-criado, que decidiu apostar numa candidatura isolada, a do sindicalista Gilson Menezes, na época com 33 anos, o primeiro prefeito petista da história.

Alçado a líder sindical após as greves no Grande ABC na década de 1980, Gilson ajudou a fundar o petismo, levou o discurso da participação do povo no governo às ruas de barro em Diadema e, para a surpresa da classe política da cidade da época, superou a influência do então prefeito Lauro Michels (PTB), que encerrava seu segundo mandato e tinha certeza que elegeria sua sucessora, a então vereadora e diretora de Promoção Humana do Paço, Marion Magali de Oliveira (PTB). O petista recebeu 23.310 votos, contra 14.155 adesões da petebista.

Também figuraram naquela eleição o educador Romeu da Costa Pereira (MDB), então vice de Michels – recebeu 11.411 votos. O emedebista havia rompido politicamente com o prefeito e, ao lado do também vereador Orlando Annibal e de Francisco Guillen (ambos do MDB), entrou como opositor na disputa.

Nem o próprio PT acreditava na vitória. O slogan da primeira campanha de Gilson já imprimia certo conformismo com uma possível derrota: “Se não houver frutos, valeu a beleza das flores. Se não houver flores, valeu a sombra das folhas. Se não houver folhas, valeu a intenção da semente”.

No dia 18 de novembro de 1982, o que era utopia se transformou na esperança de um governo socialista após duas décadas de poder entre Michels e Evandro Caiafa Esquível, primeiro prefeito da cidade.

A apuração daquela eleição durou três dias seguidos e durante praticamente toda a contagem dos votos Marion e Romeu se revezavam urna a urna na liderança. Até o segundo dia de apuração, Gilson e o PT eram carta fora do baralho. O petista só passou a liderar na 94ª urna apurada. Ainda assim, a iminente vitória do petismo era ignorada.

Adversários chegaram a relatar ao juiz eleitoral Carlos Alberto Lopes incoerências nas cédulas de votação. No dia 19, quando o petista seria declarado oficialmente eleito, o clima de festa do PT foi abalado por um pedido de recontagem de votos de representantes do PTB, PMDB e do PDS, que alegavam que as cédulas que indicavam os números 36 e 37 eram contabilizadas em favor de Gilson, cujo número era 35. O pedido foi negado, mas a insatisfação ainda geraria em apelação ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral), que também acabou indeferindo a solicitação.

“O cara olhava e contabilizava (os votos) para o PT. Mas o pessoal deixava para lá. Pensavam: ele (Gilson) não vai ganhar mesmo. Ninguém achava que o Gilson iria vencer”, conta o historiador e memorialista da cidade Walter Adão Carreiro.

A derrota inesperada de Michels é atribuída na cidade a vários fatores, entre eles o fato de o governo concentrar ações somente no Centro, em detrimento a uma cidade em crescimento populacional – já atingia 200 mil habitantes –, com problemas de infraestrutura, como falta de asfalto e saneamento básico. A solução para a urbanização de favelas foi o principal tema do pleito.

Um episódio, às vésperas da eleição, resume bem a preferência de Michels pelo Centro. No dia 12 de novembro, um comício para Marion foi preparado e disfarçado de festa de inauguração da Praça da Moça, que acabara de ser construída no coração da cidade.
Por determinação da Justiça – atendeu a um pedido do MDB, que alegava que a aparelhagem de som seria ligada a poucos metros de um hospital –, Michels não pode discursar. “Está certo que isso é proibido pela Justiça Eleitoral. Mas que a oposição apelou, apelou”, gritava o prefeito no meio do palanque. “O PTB vencerá em Diadema, não adianta a oposição impedir isso”, sentenciava.

Além do discurso voltado ao trabalhador, o PT também se organizava na Igreja Católica, através das chamadas comunidades eclesiais de base. “Lembro de uma missa que eu fui em que, na homilia, o padre falava: ‘Só uma estrela pode salvar Diadema’”, rememorou a educadora Sônia Costa Pereira, mulher de Romeu.

Em entrevista aos jornais naquela época, Jorge Ferreira analisava: “A derrota se deve só ao prefeito Lauro Michels, que quis apoiar só uma candidata (Marion), em prejuízo dos demais”.

Naquela eleição correram por fora o então vereador Jorge Ferreira, que recebeu 4.680 votos, o ex-prefeito Ricardo Putz (ambos do PTB, 3.108), além do empresário e ex-vice-prefeito Eiziro Okazaki (2.192), do ex-vereador Geraldo Sabino Maciel (1.205), de Luiz Gomes (880), os três pelo PDS, e de José Gerônimo de Fraga (PDT, 100).

Fundador do PT, Gilson resistia em ser prefeiturável

Em recente entrevista ao Diário, o hoje ex-prefeito Gilson Menezes (atualmente no PDT) relatou que resistiu em ser o prefeiturável do PT. “Quando chegaram as eleições de 1982 comecei a fugir das reuniões porque eu sentia que me lançariam candidato a prefeito. Eu estava desempregado, tinha filho para cuidar, muita dificuldade. Certa vez um companheiro do sindicato, o Manoel Anísio, ficou sabendo disso e mandou um recado de que queria falar comigo. Fomos num bar e ele falou: ‘Estou decepcionado com você. O pessoal em Diadema quer que você saia candidato a prefeito’. Eu falei: ‘poxa, Manel, estou desempregado, ser candidato a prefeito? Se fosse a vereador até que podia’. Ele disse: ‘Não, você tem que ser (prefeiturável)’. Eu disse: ‘Não vou’. Aí chegou um momento na discussão e ele falou: ‘Vou te falar uma coisa,seja candidato pelo PT, nem que seja para fincar a bandeira do PT em Diadema’. Quando ele falou aquilo, aí balançou”, relembrou Gilson, que, após amargar 360 votos para vereador em 2016, decidiu se mudar com a mulher para a cidade de Santa Cruz da Conceição, no Interior, a cerca de 215 quilômetros de Diadema. “Não tenho mais o que fazer aqui, já dei minha contribuição.”

‘Recusei apoio de Michels para evitar desgaste’

Então vice-prefeito de Diadema, Romeu da Costa Pereira disputou a eleição como candidato de oposição pelo MDB e com críticas ao governo de Lauro Michels, do qual fazia parte. Ao Diário e após 35 anos daquela histórica eleição, Romeu explica que recebeu a oferta do então prefeito para ser o candidato do governo, mas recusou para não absorver o desgaste que a administração enfrentava naquela época com denúncias de fraudes na desapropriação de um terreno localizado no Centro. “Quando ele (Michels) chegou para mim e falou: ‘Romeu vou te apoiar (para prefeito)’, eu falei:‘Lauro,não vai dar certo isso aí porque o desgaste está muito grande’. Eu não aceitei ser o candidato do governo porque eu teria que absorver essa rejeição”, conta o ex-vice-prefeito, hoje com 76 anos. Ao lado da mulher, Sônia,se dedica exclusivamente a dirigir um colégio particular, negócio que iniciou alguns anos depois de deixar o Paço. Ele explica o rompimento com Michels como movimento do MDB, seguido da pró- pria atitude do então prefeito de deixar o partido e integrar o PTB. “O MDB já estava com um discurso mais radical (contra a gestão Michels). Aí o Lauro percebeu isso e tirou todos os candidatos do MDB, como a Marion e o Jorge Ferreira, e os levou para o PTB. Ele dividiu o grupo”, relata Romeu, ao destacar que, se todos os nomes do governo se candidatassem pelo mesmo partido, os governistas sairiam vitoriosos. “Ele (Michels) via viabilidade de ganhar eleição com a Marion. Mesmo porque ele sabia que financeiramente eu não tinha capacidade para ganhar”.




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