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Sinfônica de Santo André passa por crise
Por Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
07/08/2004 | 21:56
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Em compasso de maior dó, a Orquestra Sinfônica de Santo André, a instituição cultural mais notável do Grande ABC, pede socorro. As apresentações mantêm o nível de qualidade, mas o que o público não vê, os músicos sentem. Tirando o maestro Flavio Florence e sete músicos, contratados como funcionários públicos, os demais componentes vivem uma situação surreal: não são funcionários, não são autônomos, não são terceirizados, não são prestadores de serviço. Os músicos que levam o nome de Santo André e da região aos palcos pelos Brasil são bolsistas, sem nenhum vínculo empregatício, há 16 anos. “A orquestra subiu bastante em qualidade, mas se cair será tombo grande. Sentimos como se estivéssemos pagando uma dívida que não cometemos”, diz Florence.

Ao ser criada, em abril de 1988, a Sinfônica tinha o perfil de orquestra jovem, semi-amadora. De lá para cá, a intenção sempre foi profissionalizá-la, pois os músicos que lá tocam são profissionais. De fato só foi feito um decreto lei de 1991 criando a função de bolsista de nível superior, um grau acima do bolsista comum. Este ganha cerca de R$ 450 e o de nível superior, pouco mais de R$ 1 mil. Bolsa baixa e falta de perspectiva afugentam músicos e deixam outros sem expectativas.

O orçamento anual da orquestra para esse ano é de R$ 1.061.757,43 e, para 2005, R$ 1.094.410,87 (previsto). Isso é suficiente para pagar salários e encargos dos cerca de 80 músicos, mais dois funcionários administrativos, o maestro e sete músicos com cargo de professores de naipe.

O que sobra, cerca de R$ 10 mil, é a verba anual para pagar cachês de solistas, repor instrumentos e comprar ou alugar partituras, entre outras despesas. Nestes dois últimos casos, o preço chega a US$ 200, para compra; e cerca de R$ 500, em média, para locação.

Se a Orquestra faz dois concertos por mês, com dois programas, para cada um tem pagar aluguel de pelo menos duas partituras para os detentores dos direitos da obra, ou cerca de R$ 2 mil em um mês (as cópias saem por conta da Prefeitura). Mantendo a média anual de 30 apresentações (incluindo um programa mensal para crianças), o grupo já sobe ao palco devendo.

Em abril deste ano foi roubada uma das caixas do naipe de percussão, no valor de R$ 2 mil. A Secretaria de Cultura afirmou não ter verba para restituir – seria necessário fazer uma licitação. Então, os bolsistas recorreram a uma caixinha para repor a caixa.

Criada para atender necessidades que o orçamento não contempla, a tal caixinha é composta por 10% do valor da bolsa, pagos pelo bolsista que faltar a um ensaio para tocar em algum lugar, geralmente por cachê igual ou superior ao da bolsa.

O drama é mais estrutural do que de valores. “Nossa verba sempre foi curta, mas este ano não tem comparação. A programação está capenga, escolhemos obras segundo critérios não-estéticos, extramusicais, e estamos limitando a atuação da Orquestra. Nossos músicos saem e não são repostos. Temos preenchido essas vagas em forma de quebra-galho, como tudo na Sinfônica. Chamamos bolsistas para ocupar, de forma precária, funções de chefes de naipe sem ter esse contrato. Em 30 dias tivemos três perdas (dois trombones e uma flauta) e não temos recursos previstos para contratação. Não temos um corpo técnico. Tem músico tocando há 16 anos sem vínculo trabalhista com a Prefeitura. Não se trata apenas de falta de recursos. Falta o desejo de se manter aquilo que existe e dar um passo adiante. A Sinfônica é como um prédio construído pela metade e habitado há 16 anos. Se nada for feito, vai ruir”, diz Florence.

Em dezembro de 2002, foi registrada e formalizada a Associação dos Músicos e Equipe Técnica da Orquestra Sinfônica de Santo André, chamada de Ametossa, nome com jeitão de remédio. Combina com a situação crônica do grupo, que ainda não foi para a UTI, mas está com a saúde delicada. “Temos sido pacientes, pois sabemos que o município sofreu uma série de cortes na arrecadação e até entendemos que não existe verba para aumento salarial. Esse não é um problema exclusivo desta administração municipal, e a Secretaria de Cultura tem nos ouvido bastante. Mas depois de 16 anos sem apontar saídas e ouvindo ‘não temos verba’, criamos a Associação com a disposição de ajudar a encontrar uma solução. Há necessidade de empenho político e até agora as iniciativas têm sido acanhadas”, afirma Adriana Maresca, violinista e presidente da Associação.

Juridicamente, a Ametossa seria uma saída legal para que os músicos pudessem batalhar patrocínio e aliviar a situação atual. Em abril, a Petroquímica União patrocinou dois concertos, contratados por uma produtora cultural. “O Estado não tem de bancar tudo, é preciso verba de terceiros. Mas músico é músico, não sabemos como fazer, não é nossa função”, diz Luiz Cruz, trombonista, um dos poucos funcionários contratados.

Hoje, a Sinfônica não tem como revezar naipes, pois não há músicos suficientes. Bolsista que fica doente não tem direito a assistência médica, pois não é funcionário municipal. Funções como primeiro trompete, primeira flauta, primeiro oboé e spalla não foram repostas. São exercidas por bolsistas, mas deveriam estar sob responsabilidade de líderes de naipes.

“Desde 1988, há pessoas que aguardam profissionalização, quase em idade de se aposentar, pois a intenção inicial era profissionalizar a orquestra. Muitos saem para outros grupos. Isso é errado, a orquestra está encolhendo, mas não queremos que ela morra”, diz Cruz.

Violista desde o início da Sinfônica, Yara Bianchi de Miranda, nascida em Santo André e atualmente em Taubaté, saiu da orquestra em 1994, em busca da profissionalização. “Santo André se tornou um celeiro que não aproveita seus talentos. A orquestra se apresenta bem em festivais. Se falta um passo para fazer esse projeto vingar, que seja dado, pois é a paixão dos músicos e a relação ética entre eles e o maestro que mantêm a orquestra de pé”, afirma.

 O secretário de Cultura, Esporte e Lazer, Acylino Bellisomi, reconhece que o nível dos concertos não caiu. “Ouvi comentários de que a Sinfônica está entre as cinco melhores do Brasil. De onde sai essa qualidade da Sinfônica? O ideal seria resolver essa situação toda. Precisaríamos de uma nova lei”, diz.

A legislação atual, reconhece Florence, não contempla a realidade vivida pela Sinfônica. “Essa lei precisaria ser revista de forma mais realista. Falou-se em criar fundação semiprivada ou semipública. Mas tudo ficou parado, sem conclusão. Isso é muito triste. Apesar de tudo, o prestígio continua, pois os músicos se esmeram para não fazer maus concertos”, afirma Florence.

E os próximos serão dias 28 e 29 deste mês, no Teatro Municipal, com duas obras de Dvorák (Sinfonia nº 4 em Ré Menor e a abertura de Carnaval) e Concertino para Sax Alto e Orquestra, de Radamés Gnattali. Assim como o show, o concerto deve continuar.




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